O “sim” maduro de uma jovem decidida foi capaz de mudar a história da humanidade.
Quando Deus chama alguém a uma missão, Ele mesmo se incumbe de capacitar esta pessoa para o bom desempenho dela. Esta é uma ideia comum que circula na Igreja, quer entre religiosos quer entre leigos. Refletindo sobre o evangelho da Anunciação veio-me à mente que foi um momento muito especial na história da humanidade e na vida de Maria, pois era enorme a missão que Deus lhe confiava. Foi um momento tão espiritualmente denso que só poderia ser vivido por uma pessoa que tivesse uma estrutura humano-espiritual muito especial. Uma pessoa “comum” não aguentaria a emoção daquele momento, e muito menos guardar um segredo deste porte em silêncio, “meditando-o em seu coração”.
Por que Maria soube acolher tão bem o anúncio do anjo – anúncio totalmente fora dos moldes normais de qualquer experiência humana daquele tempo e de todos os tempos? Quem poderia sequer imaginar que um dia o próprio Filho de Deus iria se encarnar, escolhendo uma jovem que, sem “conhecer homem”, se tornaria a Mãe de Deus? Penso que só uma pessoa madura poderia viver aquele momento da anunciação sem se desestruturar.
Sabemos que maturidade não se improvisa, adquire-se ao longo dos anos e dos acontecimentos da vida. Maria, segundo os estudiosos, era muito jovem quando recebeu o anúncio do Anjo Gabriel, devia contar uns 14 ou 15 anos, pois era esta a idade em que as jovens eram dadas em casamento na Palestina naquele tempo. Onde então esta jovenzinha adquiriu maturidade suficiente para viver tão grande mistério de forma tão natural e serena? Tenho para mim que a maturidade não significa número de anos vividos, mas qualidade de vida interior. Maria podia não ter vivido muito, mas viveu intensamente. Acostumada à oração desde menina, estava também acostumada a refletir sobre os mistérios de Deus na história do povo de Israel. Sabia que o Messias viria ao mundo e aguardava esta vinda, porém, como vivia uma profunda intimidade com Deus na oração – e oração, segundo Santa Teresa de Ávila, é trato de amizade com Deus – não foi “surpreendida” pelo anjo.
É interessante notar que em Lc 1, 28 encontramos que “o anjo entrou onde ela estava”. Esta expressão nos faz perguntar: onde estava Maria? Com certeza estava mergulhada em Deus, sua alma toda atenta a Ele, ainda que estivesse fisicamente em casa, no trabalho, à beira do poço, etc. Mais tarde o próprio Jesus dirá: “onde está o teu tesouro aí está teu coração”, e o tesouro de Nossa Senhora sempre foi Deus. Portanto, o anjo encontrou Maria muito bem preparada, madura pela oração, pela intimidade com Deus e assim todo o fato da anunciação se torna um grande mistério de amor do Pai, de Jesus, do Espírito Santo, onde cada Pessoa tem sua função. Maria, envolvida neste mistério, “perturbou-se” – era uma pessoa normal –, refletiu sobre o que estava acontecendo, interrogou o anjo, ouviu as palavras que Deus lhe comunicava através de seu mensageiro, teve medo e finalmente deu seu consentimento. Ela não se colocou como uma poderosa e grande mulher, mas fez-se serva, escrava, a menor de todos.
Rezando sobre este evangelho da anunciação, tão caro a todos os consagrados, a todos os vocacionados, fico pensando em como Deus nos oferece tudo de que precisamos em nossa vida, independentemente da missão que virá para nós depois. E este tudo, a meu ver, vem pela oração e principalmente pela Eucaristia. Aí nossa intimidade com o Senhor chega ao auge e Ele pode nos “revelar” os segredos de Seu coração, pode nos fazer amadurecer espiritual e humanamente. Se tivermos coragem de nos deixar questionar pela palavra do Senhor, de sermos transparentes, totalmente sem máscaras diante Dele, abrindo espaço ao silêncio para que Ele nos fale, Ele realizará esta obra.
Somos barro nas mãos do oleiro, nossa vida está em Suas mãos e nada deve nos perturbar porque “sabemos em quem colocamos nossa confiança”. Para os cristãos nunca deveria existir a palavra “impossível”, pois nossa fé no Deus da vida torna possível até o que o mundo considera impossível.
Um dos grandes desafios para o nosso tempo, segundo o exemplo de Maria, é resgatarmos esta “maturidade” que vem da intimidade com o Senhor, para que não sucumbamos diante da primeira contradição ou contrariedade.
Santa Teresa, ao descrever as qualidades que quer ver em suas filhas carmelitas, usa uma expressão muito peculiar. Diz que devemos ser pessoas com “determinada determinação”, em outras palavras, “teimosas para as coisas de Deus”, com tenacidade, perseverança, fortes diante das adversidades. Que esta qualidade possa ser encontrada em todo cristão, para que, ao anúncio do anjo, ou seja diante de qualquer sinal da vontade de Deus para nós, estejamos prontos para dizer: “Faça-se em mim segundo a Vossa Palavra!”
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