Carta do Papa João Paulo II por ocasião dos 750 anos do Escapulário (25 de Março de 2001)

 

“O Escapulário passa a ser um sinal da “aliança” e recíproca comunhão existente entre Maria e os fiéis: ele traduz de fato, e de forma concreta, a entrega que Jesus, do alto da Cruz, fez a João – e nele a todos nós – de sua Mãe”.

Com estas palavras, São João Paulo II exprimiu o sentido real e profundo do Santo Escapulário na carta que dirigiu aos carmelitas, por ocasião dos 750 anos da revelação do sacramental. O Papa, ao saber que os superiores gerais dos carmelitas, Frei José Chalmers e Frei Camilo Maccise, haviam declarado 2001 como Ano Mariano para a Ordem, enviou uma carta a todos os carmelitas com louvores a Deus, à Maria, ao Carmelo e ao Escapulário.

O texto, datado de 25 de março de 2001, é uma preciosidade de consideração, doutrina e incentivo. Ele confiou o terceiro milênio à Maria Santíssima, elogiou os superiores que fizeram da Flor do Carmelo, Mãe e Guia no caminho da santidade; destacou a celebração dos 750 anos da entrega Escapulário, animando os carmelitas a festejar e fazer novos propósitos de aprofundar sua característica de espiritualidade mariana.

O então Pontífice recordou ainda a piedade mariana de sucessivas gerações carmelitanas, destacou o fato de se ter na contemplação de Maria um ponto forte de seguimento de Jesus; falou do sinal do Escapulário como uma “síntese eficaz de espiritualidade mariana, que alimenta a devoção dos que creem, tornando-os sensíveis à presença amorosa da Virgem Maria em suas vidas”.

São João Paulo II termina sua mensagem, relevando, sobretudo, duas verdades evocadas pelo sinal do Escapulário: a proteção contínua da Virgem Santíssima na vida e na morte; e a consciência de que a devoção a Maria não deve limitar-se a orações e homenagens devocionais, mas constituir-se num “hábito”, que é o próprio tecido da vida cristã por inteiro.

Leia a carta na íntegra:

Aos Reverendíssimos Padres

JOSEPH CHALMERS,

Prior Geral da Ordem dos Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo (O. Carm.)

e

CAMILO MACCISE,

Prepósito Geral da Ordem dos Irmãos Descalços da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo (O.C.D.)

  1. O providencial acontecimento de graça que o Ano Jubilar foi para a Igreja, a induz a olhar confiadamente e cheia de esperança para o caminho apenas iniciado no novo milênio: “No início deste novo século – como escrevi na Carta apostólica Novo millennio ineunte – o nosso passo deve tornar-se mais expedito… Nesta caminhada, acompanha-nos a Virgem Santíssima. A Ela … confiei o terceiro milênio” (n. 58).

Foi assim com profunda alegria que soube pretender a Ordem do Carmo nos seus dois ramos, antigo e reformado, exprimir o seu amor filial para com a sua Padroeira, dedicando o ano de 2001 Àquela a quem invoca como Flor do Carmelo, Mãe e Guia nos caminhos da santidade. A este respeito, só posso sublinhar uma feliz coincidência: a celebração deste ano mariano ocorre para todo o Carmelo, segundo o que foi transmitido por uma venerável tradição da mesma Ordem, por ocasião 750º aniversário da entrega do Escapulário. É pois uma celebração que proporciona a toda a Família Carmelita uma excelente ocasião não só para aprofundar a sua espiritualidade mariana, mas também para a viver cada vez mais à luz do lugar que a Virgem Maria ocupa no mistério de Cristo e da Igreja, e, consequentemente, para seguir Aquela que é a “Estrela da evangelização” (cfr. Novo millennio ineunte 58).

  1. No seu itinerário em direção “à Montanha santa, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Missal Romano, Coleta da Missa em honra da B. V. Maria do Monte Carmelo, 16 de Julho), as diversas gerações do Carmelo, desde as origens até hoje, procuraram moldar a sua própria vida seguindo os exemplos de Maria.

Por isso, no Carmelo, e em cada alma movida por um terno amor para com a Santíssima Virgem e Mãe, floresce a contemplação daquela que, desde o princípio, soube estar aberta para escutar a Palavra de Deus e obedecer à sua vontade (Lc 2,19.51). De fato, Maria educada pelo Espírito e por Ele moldada (cf. Lc 2,44-50), foi capaz de ler à luz da fé a sua própria história (cf. Lc 1,46-55) e, dócil às indicações de Deus, “avançou na peregrinação da fé, conservando a sua união com o Filho até à cruz, junto à qual, por desígnio divino, esteve (cf. Jo 19,25), sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com ânimo materno ao Seu sacrifício” (Lumen Gentium 58).

  1. Contemplando a Virgem, vemo-la como Mãe primorosa que, em Nazaré, vê o seu Filho crescer (cf. Lc 2,40.52), o segue pelas estradas da Palestina, o assiste nas bodas de Caná (cf. Jo 2,5) e, junto à cruz, passa a ser a Mãe associada à oferta de Seu Filho e dada a todos os homens mediante a entrega que o próprio Jesus dela faz ao discípulo predileto (cf. Jo 19,26). Como Mãe da Igreja, a Virgem Santa une-se aos discípulos “em assídua oração” (At 1,14) e, como Mulher nova que antecipa em si o que um dia se realizará para todos nós na plena fruição da vida trinitária, é assunta ao Céu, donde estende o manto da sua misericordiosa proteção sobre os seus filhos, ainda peregrinos para o monte santo da glória.

Uma semelhante atitude contemplativa da mente e do coração leva-nos a admirar a experiência de fé e de amor da Virgem, a qual já vive em si aquilo que cada fiel deseja e espera realizar no mistério de Cristo e da Igreja (cf. Sacrosanctum Concilium 130; Lumen gentium 53). Justamente por isso os carmelitas e as carmelitas escolheram Maria como a sua própria Padroeira e Mãe espiritual, tendo-a sempre presente diante dos olhos do coração como a Virgem Puríssima que a todos nos guia até ao conhecimento pleno e à perfeita imitação de Cristo.

Floresce assim todo um conjunto de íntimas relações espirituais que incrementam uma comunhão cada vez maior com Cristo e com Maria. Para os membros da Família Carmelita, Maria, a Virgem Mãe de Deus e dos homens, não é apenas um modelo a imitar, mas também uma doce presença de Mãe e Irmã na qual se confia. Por isso mesmo, exortava Santa Teresa de Jesus: “Imitai Maria e considerai qual não deve ter sido a grandeza desta Senhora e o bem que nos advém de a termos como Padroeira” (Castelo interior III, 1,3).

  1. Esta intensa vida mariana, que se traduz em confiante oração, entusiástico louvor e diligente imitação, faz-nos compreender que a forma mais genuína de devoção à Virgem Santíssima, traduzida no humilde sinal do Escapulário, é a consagração ao seu Imaculado Coração (cf. PIO XII, Carta Neminem profecto latet [11 de Fevereiro de 1950: AAS 42, 1950, pp. 390-391]; Const. Dogm. sobre a Igreja Lumen gentium 67). É assim que no íntimo do coração se leva a cabo uma crescente comunhão e familiaridade com a Virgem Santa, experimentada “como uma nova maneira de viver para Deus e de continuar aqui sobre a terra o amor de Jesus, o Filho, a Maria, sua Mãe” (cf. Discurso do Angelus, in Insegnamenti XI/3, 1988, p. 173). Pomo-nos assim, segundo a expressão do mártir carmelita Beato Tito Brandsma, em profunda sintonia com Maria, a Theotokos, tornando-nos como ela transmissores da vida divina: “O Senhor também nos manda o seu anjo, … também nós devemos acolher Deus nos nossos corações, trazê-Lo nos nossos corações, nutri-Lo e fazê-Lo crescer em nós, de tal modo que Ele de nós nasça e conosco viva como o Deus-conosco, o Emanuel” (da Conferência do B. Tito Brandsma no Congresso Mariológico de Tongerloo, Agosto de 1936).

Este rico patrimônio mariano do Carmelo passou a ser ao longo dos tempos, através da difusão da devoção do santo Escapulário, um tesouro para toda a Igreja. Graças à sua simplicidade, valor antropológico e com o papel de Maria nas diversas vicissitudes da Igreja e da humanidade, esta devoção foi profunda e amplamente acolhida pelo povo de Deus, a ponto de encontrar a sua expressão na memória de 16 de julho, presente no Calendário litúrgico da Igreja universal.

  1. No sinal do Escapulário evidencia-se uma síntese eficaz da espiritualidade mariana que alimenta a devoção dos crentes, tornando-os sensíveis à presença da Virgem Mãe na sua vida.

O Escapulário é essencialmente um “hábito”. Aquele que o recebe é agregado ou associa-se mais ou menos intimamente à Ordem do Carmo, dedicando-se ao serviço de Nossa Senhora para o bem de toda a Igreja (cf. Fórmula de imposição do Escapulário, no “Rito de bênção e imposição do Escapulário”, aprovado pela Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, 5/1/1996). Desta forma, aquele que se reveste do Escapulário é introduzido na terra do Carmelo, para que aí “coma dos excelentes frutos dos seus pomares” (cf. Jr 2,7) e experimente a presença doce e materna de Maria, no compromisso quotidiano de se revestir interiormente de Jesus Cristo e de o manifestar vivo em si para o bem da Igreja e de toda a humanidade” (cf. Fórmula de imposição do Escapulário, l.c.).

São duas, pois, as verdades evocadas pelo sinal do Escapulário: por um lado, a contínua proteção da Virgem Santíssima, não só ao longo do caminho da vida, mas também no momento da suprema passagem para a plenitude da glória eterna; por outro, a consciência de não se poder limitar a devoção a Maria a meras orações e serviços prestados a fim de a honrar em algumas circunstâncias, devendo antes aquele constituir um “hábito”, ou seja, uma orientação constante da própria conduta pessoal, imbuída de oração e vida interior, mediante a prática frequente dos sacramentos e o exercício concreto das obras de misericórdia espirituais e corporais. Desta forma o Escapulário passa a ser um sinal da “aliança” e recíproca comunhão existente entre Maria e os fiéis: ele traduz de fato, e de forma concreta, a entrega que Jesus, do alto a cruz, fez a João – e nele a todos nós – de sua Mãe, bem como o ato de a Ela, constituída nossa Mãe espiritual, confiar o apóstolo predileto e cada um de nós.

  1. Desta espiritualidade mariana, que molda interiormente as pessoas, configurando-as com Cristo, o Primogênito entre muitos irmãos, são exemplos claros os testemunhos de santidade e de sabedoria de tantos Santos e Santas carmelitas, os quais cresceram, todos eles, à sombra e sob a tutela da Mãe.

Também eu, desde há tanto tempo, trago sobre o meu coração o Escapulário do Carmo! Pelo amor que nutro à nossa Mãe comum, faço votos de que este ano mariano ajude todos os religiosos e religiosas carmelitas, bem como os fiéis piedosos que filialmente a veneram, a crescer no amor a Ela e a irradiar neste mundo a presença desta Senhora do silêncio e da oração, invocada como Mãe de misericórdia, Mãe da esperança e da graça.

Com estes votos concedo de bom grado a Bênção Apostólica a todos os Irmãos, Monjas, Irmãs, leigos e leigas da Família Carmelita que tanto trabalham para que se difunda entre o povo de Deus a devoção a Maria, Estrela do Mar e Flor do Carmelo!

Vaticano, 25 de Março de 2001.

Joannes Paulus II

Fonte: Santo Escapulário (santoescapulario.com.br)