Quando falamos de “pequena via de Santa Teresinha” estamos falando do seu caminho espiritual, da sua Doutrina e a primeira coisa que precisamos esclarecer, recordar ou ensinar é que a “Pequena Via” não pode ser relacionada a uma vida espiritual fácil, simples, direcionada à pessoas mais fracas e menos capazes.
Nós chamamos o caminho espiritual proposto por Teresa de “Pequena Via” porque ela mesma o chama assim repetindo uma expressão da Irmã Maria do Sagrado Coração. Mas, é preciso ter muita atenção para não cair no erro de explicar e transmitir uma coisa que não pertence à Teresa. Essa era já uma preocupação de Teresa, como podemos ver nesse fragmento do Testemunho da Irmã Maria da Trindade e da Santa Face, a noviça preferida de Teresa, durante o Processo de Canonização (13-15 de março de 1911):
“Um dia eu lhe disse que explicaria a sua “pequena via de amor” a todos os meus parentes e amigos e que faria com que eles fizessem o seu “Ato de Oferta” para que fossem diretamente ao céu. ‘Oh – me disse – sendo assim, faça muita atenção! A nossa pequena via explicada mal ou compreendida mal, pode ser interpretada como quietismo ou iluminismo’… ‘Não pense que seguir a nossa pequena via seja seguir uma via de repouso, feita somente de consolações. Ah! pelo contrário! Oferecer-se como vítima ao amor, significa oferecer-se ao sofrimento, porque o amor não vem se não que do sacrifício e quando nos ofertamos totalmente ao amor, devemos esperar de ser sacrificados sem reservas’. Jamais me lamentarei o bastante [disse a Ir. Maria da Trindade] por não ter anotado tudo sobre essas luzes que ela recebia na oração e que me comunicava na direção para o bem da minha alma”.
A “Pequena Via” se explicada de modo errado pode dar uma ideia de “quietismo”, uma doutrina teológica com origem no séc. XVII que defendia uma espiritualidade totalmente abandonada ao agir de Deus, onde não seria necessário nenhum esforço do ser humano. O teólogo Hans Urs von Balthasar[1], nos recorda que o caminho de Teresa se trata de uma “via”, ou seja, um caminho que intencionalmente exige um movimento, não se trata de um lugar de repouso, mas, nos obriga ao seguimento de Jesus Cristo.
A ideia de uma via pequena está em contraposição cm aquilo que na época de Teresa era considerado o caminho espiritual de acordo com as correntes teológicas que marcavam a vida dos fiéis. Para chegar até era preciso percorrer um longo caminho de penitências, sacrifícios, e ações extraordinárias. A própria Teresa faz referimento a essa realidade quando comparava o caminho espiritual de suas irmãs, chamando-as de águias que voavam longe em direção ao Sol do Amor.
Teresa reconhece que esse caminho não é acessível a todos e que ela ajudaria muitas almas a chegar até Deus propondo um caminho diverso, mais curto e ao alcance de todos. “Não sou águia, delas tenho somente os olhos e o coração[2]” escreve Teresa no Manuscrito B, apresentando-se como um passarinho, pequeno e frágil, mas, que carrega no coração o desejo de contemplar “o astro do amor”. Como passarinho, Teresa não desistiu de estar na presença de Deus apesar das tempestades, das noites escuras da fé, das nuvens que cobriam o céu. Todas essas expressões podem ser encontradas na Obra de Teresa de Lisieux quando ela explica a sua “pequena doutrina”.
No tempo de Teresa, o caminho espiritual era marcado pela justiça divina, muitas religiosas faziam a oferta da própria vida à justiça de Deus. Por essa razão Teresa faz o oferecimento ao Amor Misericordioso, abrindo-se a outro tipo de reflexão teológica que redescobriu nos anos sucessivos o rosto misericordioso de Deus. Von Bathasar escrevendo sobre Teresa dedicou todo um capitulo para o tema da pequena via e diz: “Dessa demolição da “grande via” compreendida como a via da justiça, descobre-se que a “Pequena Via” é, sem duvida, a verdadeira, porque é a via da graça e da nova aliança, mas, não por isso é necessariamente mais fácil[3]”.
Teresa é doutora da Igreja e devemos ser conscientes da grandiosidade da sua mensagem. Mesmo considerando a sua humildade e o seu desejo de que seu caminho fosse sempre pequeno. Também Santa Teresa de Jesus falava com humildade das suas tantas experiências místicas, mas, nós sabemos que se tratava de grandes dons que o Senhor a concedia. Um “Doutor da Igreja” tem uma Doutrina aprovada e proposta pela Igreja como caminho seguro que nos leva até Jesus. Muitas pessoas, incluindo padres e bispos, contestaram a possibilidade que Teresa fosse reconhecida como Doutora da Igreja, simplesmente porque o seu caminho foi mal interpretado ou, de certa forma, “apresentado de modo errado”. Até mesmo alguns Papas, apesar de reconhecer a santidade de Teresa, demoraram a aderir à ideia de colocá-la entre os Doutores da Igreja. Por isso, precisamos ter muito cuidado ao falar da “pequena via” de Teresa de Lisieux para não reduzir a grandiosidade e a profundidade de sua mensagem e da força teológica da sua doutrina com definições superficiais e mesquinhas. Como devotos de Teresa e seus amigos, temos a responsabilidade de redescobrir a proposta da sua doutrina espiritual.
Como aprofundar o tema da “Pequena Via”?
Na minha opinião o caminho espiritual de Teresa deve ser considerado antes de tudo a partir do Manuscrito B. Certamente sabemos o que é manuscrito B, mas, vamos recordar!
A obra “História de uma alma”, autobiografia de Teresa foi escrita para atender um pedido da superiora. O manuscrito A endereçado à Madre Inês de Jesus, o Manuscrito C à Madre Maria de Gonzaga e uma outra parte que a principio foi publicada ao final, mas, que depois retomou ao seu lugar cronologicamente original que e o manuscrito B, dedicado à Irmã Maria do Sagrado Coração. Aqui temos uma coisa importante, o Manuscrito B não segue o mesmo estilo dos outros dois manuscritos porque não se trata das memórias de sua vida, mas, da sua experiência espiritual. Também, é importante notar que a Irmã Maria do Sagrado Coração, Maria, irmã biológica de Teresa, madrinha de batismo e “terceira mãe” foi de algum modo responsável pela autobiografia de Teresa. Hoje sabemos que além d manuscrito B, diretamente dedicado à ela, Maria propôs, de modo indireto, a redação também dos outros manuscritos (não sendo a Superiora não tinha o direito de pedir diretamente para que Teresa escrevesse as suas memórias).
Não temos muito tempo para nos determos nos escritos de Teresa, então passemos ao que mais nos interessa no momento: O manuscrito B, onde Teresa escreve, a pedido de Maria, o seu caminho espiritual. Claramente os outros escritos de Teresa também revelam a sua doutrina, como, por exemplo, as páginas do Manuscrito C, onde Teresa nos dá tantos exemplos de como praticar a caridade que é a base da “pequena via”.
Antes de buscar qualquer informação sobre o caminho espiritual de Teresa do Menino Jesus nos diversos livros que escreveram sobre ela, é preciso conhecer o que ela mesma escreveu sobre o assunto. O Manuscrito B, portanto, e essencial para conhecer a doutrina de Teresa, que nessas páginas é apresentada de maneira muito clara.
Clique aqui e confira alguns trechos do Manuscrito B
Escrito por Frei Juliano Luiz da Silva, O.Carm.
[1] Hans Urs von Batlthasar, Sorelle nello Spirito, Teresa de Lisieux ed Elisabetta di Digione, p. 209.
[2] Ms B 4Vº.
[3] Von Bathasar, 206.
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