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Contemplação como o elemento dinâmico que unifica a todos

In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum” (Lc 23, 46).
Em tuas mãos, Senhor, entrego o meu espírito.

A contemplação foi o núcleo na vida de Tito Brandsma, [1] pois nela se conjugam o ser carmelita, catedrático, jornalista e mártir. Ela, a contemplação, é  o elemento dinâmico que integra todas as outras dimensões do ser-carmelita (RIVC 28). A experiência carmelita é um caminho duro e que exige muito. Observemos a própria experiência de Tito Brandsma e de outros tantos notáveis do Carmelo, como Madalena de Pazzi, Teresa de Ávila, Edith Stein […], a fidelidade deles ao Carmelo os levou a uma autêntica e mais generosa experiência da cruz.

Esse foi o caminho de Tito, mas e quanto a nós?  Ao refletirmos sobre o itinerário de vida deste carmelita temos a oportunidade de refletir sobre nossa própria caminhada verso a Jesus Cristo. Seguir o caminho do calvário que culmina em Dachau (o calvário de Tito Brandsma). Vivenciar a solidão do Gólgota, mas também a revigorante companhia de Cirineu na via dolorosa.

O mundo contemporâneo pode aprender muito com Tito. Não somente de seu itinerário pessoal de vida, mas com tudo aquilo que ele escreve sobre a mística e que é perfeitamente aplicável a nós hoje. Como as pessoas percebem/entendem Deus? Algumas pistas:

MISTICISMO, trata-se de uma particular união de Deus com o homem. Esse termo, entremeado de novos significados a partir da teologia teresiana, diz da relação humano-divina, em que, a presença de Deus onipotente se unifica ao homem que o pode perceber na sua consciência. Em outras palavras, a percepção de Deus se constitui em certa bilateralidade (two-side character), pode ser chamada de “essência divina do misticismo”. Unificação pessoal que não é completamente humana nem mesmo completamente divina. O misticismo não está em qualquer lugar (panteísmo), mas somente na maravilhosa satisfação da mente e no mais claro e evidente caminho até Deus. “That the divine is no longer hidden behind the human, but shines out”, ou seja, o que é divino não está escondido no humano, mas resplandece por através dele.  Deus adora nos surpreender!

Outro ponto de extrema relevância é a ESPIRITUALIDADE SOCIAL. Tito Brandsma, padre e jornalista, vive os problemas econômicos, políticos do pós-guerra, dentre os quais a exclusão social, a escassez de recursos e as crises e se preocupa com eles e os faz permear pela sua oração. A presença de Deus é o centro das relações sociais. Misticismo cambiante.

Não se pode esquecer também o binômio fundamental ORAÇÃO E ESTUDOS, Tito sempre se pôs a compartilhar seus conhecimentos, essa foi sua contribuição, tanto no universo eclesiástico como acadêmico.

Em Dachau, um campo de concentração próximo de Munique na Alemanha, estiveram juntos Titus Brandsma e Rafaël Tijhuis.[2] A partir do sofrimento há muita confrontação de ideias,  teorias, paradigmas […] Rafaël escrevia cartas a Deus de Dachau. Por ter boa saúde e ser jovem sofreu várias experiências médicas. Certa vez, quando questionado sobre o porquê de não querer relatar suas experiências em Dachau, ele disse: “Por que falar sobre isso? As pessoas não poderiam entender”. Porém muda de ideia e afirma: “devemos falar por aqueles que não podem mais!” Nos acercarmos de Rafaël é importante, pois através dele (que entrou e saiu de Dachau) podemos também nós entrar, vivenciar e sair. Por meios dos olhos de Frei Tijhuis podemos ver os horrores que lá aconteceram. Ele é a voz daqueles (de todos aqueles)  que não puderam sair de Dachau. Uma testemunha ocular do martírio de Tito Brandsma.

Tito não morreu por motivos políticos,  se o fosse não poderia ser considerado mártir, pois o martírio existe como tal apenas se in odium fidei. Tito Brandsma foi um mártir dos nossos dias, “de vossa terra”, nos disse PP João Paulo II em sua homilia[3] por ocasião da beatificação de Tito Brandsma se dirigindo aos peregrinos provindos da Holanda. A dimensão principal do martírio é cristológica – os mártires o são no Mártir,  Jesus Cristo. Mártir no Mártir, Testemunho no Testemunho. “Cristo caiu pele terceira vez, oh como nos escandaliza sua humanidade”. Mártir é mártir na fraqueza. Ser mártir é ser testemunho, mas testemunho de quê? Tito Brandsma foi testemunho de humanidade; Tito Brandsma foi testemunho da reconciliação (do perdão); foi testemunho da presença de Deus em sua vida. “Onde estava Deus”?[4] Deus estava ali com os sofredores. Essa é a dimensão ecumênica do martírio,  como nos recorda PP João Paulo II em sua carta Tertio Millennio  Adveniente[5], o martírio proclama o senhorio de Jesus Cristo.

Dachau é uma ferida incurável e para nós essa experiência nos pode ser uma graça de Deus. Nada pode deter o Senhor de alcançar-nos. Podemos tentar imaginar o que sentiram aqueles que lá estiveram, a enorme escuridão que por lá pairava, os horrores. Pessoas excepcionais existem, há quem consiga ter em si encarnado o dom da fortaleza, Tito Brandsma foi uma dessas pessoas, caminhou lado a lado com o mal. “Era como se o próprio diabo reinasse”, testemunha R. Tijhuis sobre o campo de concentração. Frei Tito esteve a par das mais crudelíssimas atrocidades que o mal pode fazer […] e se fez bem, se fez sinal de Deus porque o próprio Deus o acompanhava.

Por mais que leiamos livros, ouçamos relatos não podemos sequer ter a mais ínfima ideia do que representou Dachau para àqueles que ali estiveram. Os barracões ruíram, o ferro das cercas enferrujou, a vegetação encontrou espaço entre as infinitas pedras ao chão. Dachau não é um passado,  é presente. “Ele [o passado] refere-se a nós e indica-nos os caminhos que não devem ser percorridos e os que o devem ser” (PP Bento XVII).

Frei Bruno Castro Schröder, O.Carm.

 

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Notas:

[1] Anno Sjoerd Brandsma nasceu em 23 de fevereiro de 1881 no seio de uma família de agricultores na região holandesa da Frísia.

[2] Nasceu em 1913 na Holanda e em 1932 entrou para os carmelitas. De Nijmegen muda-se para Mainz, na Alemanha. Em um sábado pela manhã, antes da missa, a Gestapo (a polícia secreta da Alemanha Nazista) invadiu a sacristia e o prendeu para interrogatório e lá ficou por várias semanas. Frei Rafaël escrevia cartas para amigos contando a situação da Alemanha e por isso foi interrogado e condenado a 15 meses de cárcere, foi liberado, mas a polícia o prendeu novamente e o levou a Dachau.

[3] Cf.: https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/it/homilies/1985/documents/hf_jp-ii_hom_19851103_beato-tito-brandsma.html

[4] Cf.: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2006/may/documents/hf_ben-xvi_spe_20060528_auschwitz-birkenau.html

[5] Cf.: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/1994/documents/hf_jp-ii_apl_19941110_tertio-millennio-adveniente.html