No dia 02 de outubro, a Província Carmelitana de Santo Elias em parceria com o Instituto de Espiritualidade Santa Teresa realizou o Encontro de Formação mensal. Este mês, o tema foi dedicado a Santa Teresa de Jesus, cujo dia é celebrado no próximo dia 15 de outubro. O encontro foi ministrado pelo Frei Juliano, O.Carm, que falou sobre a história e os moldes de rezar em Santa Teresa.
Frei Juliano começa contando sobre as características de Santa Teresa, primeira mulher Doutora da Igreja e conta que a oração é um dos temas mais presentes quando falamos de Santa Teresa de Jesus, por isso é um tema extenso que seria impossível esgotar em um encontro.
Confira o texto na íntegra
Em 27 de setembro de 1970 o Papa Paulo VI proclamava Teresa de Jesus, Doutora da Igreja. Com isso, podemos perceber a força da mensagem de Santa Teresa, como mulher, como carmelita, como mística, como filha da Igreja. De fato, a força é uma das características da monja que empreendeu um caminho de transformação interior e exterior, corajosa, destemida, inteligente, verdadeira, são adjetivos que podemos usar sem medo para falar de Teresa.
E é destes segredos que nos fala a doutrina de Santa Teresa: os segredos da oração. A sua doutrina concentra-se neste ponto. Santa Teresa teve o privilégio e o merecimento de conhecer estes segredos, por meio da experiência, vivida na santidade de uma vida consagrada à contemplação e, ao mesmo tempo, dedicada à acção, experiência sofrida e também gozada, na efusão de extraordinários carismas espirituais. Teresa possuiu a arte de expor estes segredos em grau tão elevado que se classificou entre os maiores mestres da vida espiritual. É, por isso, que a sua estátua nesta Basílica, entre as fundadoras de Famílias Religiosas, tem uma inscrição que define muito bem a Santa: Mater spiritualium”. Paulo VI, Homelia 27/09/1970.
Em Santa Teresa, a oração não se resume a um momento do dia dedicado ao Senhor, mas, toda a vida, cada minuto e em qualquer lugar. Podemos dizer sem medo que a vida de Teresa era oração, suas palavras, seus escritos, seus atos e até seus pensamentos. Eu me arrisco a dizer que Teresa não orava, ela era oração.
O nosso objetivo é partir de algumas perguntas, para compreendermos num modo geral o que é a oração para Teresa, como ela viveu a oração e quais são seus ensinamentos em relação ao tema.
A primeira pergunta é essencial para compreender o caminho de oração proposto por Santa Teresa.
Quem é Teresa? Quem sou eu?
Sim, o autoconhecimento é um dos pontos principais da oração segundo Santa Teresa de Jesus porque quanto mais nos conhecemos, mais conhecemos Deus, quanto mais avanço no meu “castelo interior”, mais próximo d’Ele eu estarei. Aqui um pensamento muito relacionado com outro importante santo da Igreja que veremos a seguir e que teve uma grande participação na vida espiritual de Teresa.
Por isso, podemos dizer que existe uma antropologia em Santa Teresa Jesus. Não sem motivos o Pontifício Instituto de Espiritualidade Teresianum, oferece além da especialização em Teologia Espiritual, a especialização em Antropologia Teológica. Santa Teresa é uma pessoa verdadeira consigo mesma e com Deus. De fato, a verdade é um fator muito marcante na vida e doutrina de Teresa, era uma mulher sincera.
Teresa de Ahumada nasceu no dia 28 de março de 1515 em Ávila na Espanha, filha de Alonso Sánchez de Cepeda e de Beatriz de Ahumada. Vive os primeiros vinte anos na casa paterna. Uma família numerosa: os pais, doze irmãos e alguns domésticos. No Livro da Vida ao falar sobre sua família Teresa diz:
“O meu pai era um homem muito caritativo para com os pobres, e cheio de compaixão para com os doentes. Era muito amigo da verdade. A minha mãe também era mulher de grandes virtudes. Sofreu muitas doenças ao longo da vida. Era muitíssimo honesta. Éramos três irmãs e nove irmãos. Havia um quase da minha idade, aquele de quem eu mais gostava, embora eu tivesse muito amor a todos e eles a mim”. (Vida I).
Teresa, Monja Carmelita na Encarnação.
Em 1535, Teresa foge de casa e entra no Mosteiro da Encarnação em Ávila, onde vive 27 anos (dos 20 aos 47) com breves ausências por doença. A comunidade do Mosteiro da Encarnação era numerosa, quase 200 pessoas entre religiosas, familiares e residentes. Na encarnação Teresa vive os anos de formação, sua conversão e iniciação à vida mística e os projetos de uma nova fundação. Depois do início do seu projeto (reforma) Teresa regressará a este mosteiro como priora da comunidade (1571 – 1574).
É importante recordar que em Teresa a vida de oração e sua consagração como monja carmelita não está totalmente relacionada. Ou seja, a verdadeira conversão de Teresa aconteceu quando ela já estava no Mosteiro há muitos anos. Ressaltamos também que, pelo contrário do que muitas vezes se pensa, a vida mística de Teresa não começou com a reforma teresiana, mas, já no Mosteiro da Encarnação.
Como começou a ter vida de oração? O que é a oração para Teresa?
Em 1554, na Encarnação, Teresa se converte diante de um Cristo muito chagado, no mesmo período lê as Confissões de Santo Agostinho e a partir de então, toda a determinação, coragem, inteligência da Irmã Teresa de Jesus se transforma numa busca incessante pela Verdade, pelo Deus de Amor infinito que roubou seu coração.
Aqui gostaria de me deter rapidamente para falar desses três pontos importantes: a Encarnação (lugar), o Cristo chagado (humanidade de Jesus) e Santo Agostinho (com sua busca pela Verdade). Três pontos que nos ajudam a compreender a definição de oração de Santa Teresa de Jesus.
Quando falamos definição de oração dada por Santa Teresa vemos que esta é relacionada ao tema da amizade. Porém, “amizades” era o que não faltava no Mosteiro da Encarnação e é justamente nesse contexto que está inserida a definição da oração no Livro da Vida. Uma grande movimentação de pessoas que conservavam uma “amizade humana”, mas, ao mesmo tempo uma grande solidão e necessidade de verdadeiras amizades que contribuíssem com a vida espiritual. O que sustentou Teresa em suas crises de aridez espiritual foi a oração, a perseverança de Teresa em buscar em Deus o amigo que lhe faltava. Segundo o professor Martínez a definição de Teresa é uma “apologia à oração”:
“A meu ver a oração mental não é mais do que uma relação de amizade, estando muitas vezes a sós, com Quem sabemos que nos ama” (V 8,5).
A partir do seu contexto, Teresa descobre o verdadeiro sentido da amizade e passa a usar o termo para falar da sua relação com Deus. Estar com Quem temos a certeza que nos ama, ou seja, não é necessário mendigar amor. Quantos corações feridos por confiar em quem não deveria. Se eu perguntasse aqui, por exemplo, se alguém já se decepcionou por confiar em alguém, por colocar esperanças que foram frustradas, certamente as respostas seriam tantas. Um dos exemplos mais belos de Teresa, em minha opinião, encontra-se em “Contas de Consciência” (Relações):
“Até agora parecia-me que precisava de recorrer a outros e confiava mais nas ajudas do mundo; agora entendo claramente que são como uns pauzinhos de rosmarinho seco: quem se apoia neles não está seguro pois, ao menor peso de contrariedades ou murmurações, partem-se logo. Daí me vem a experiência de que o verdadeiro remédio para não cair consiste em apegarmo-nos à cruz e confiar n’Aquele que nela quis ser cravado. Eu encontro n’Ele o Amigo verdadeiro; ora, isto dá-me um poder tal que, a meu ver, seria capaz de resistir ao mundo inteiro que se virasse contra mim, contanto que Deus não me faltasse”. Relações 3,1.
Fiz questão de propor essas palavras de Teresa porque acredito que estão totalmente ligadas com a sua vida, com a oração em Teresa, ou seja, como já vimos, com a vida de oração de Teresa de Jesus. Teresa ensina a partir da sua própria experiência: “Daí me vem a experiência de que o verdadeiro remédio para não cair consiste em apegarmo-nos à cruz”. Em primeiro lugar Teresa experimentou o que é ter amizades na terra, o que significa ter a confiança ou as esperanças frustradas, e a partir disso fez a experiência de compreender que nada nesse mundo pode dar a segurança que necessitamos. Muitas vezes, passamos a vida inteira procurando escoras para sustentar a nossa vida. Alguns buscam a segurança nos bens matérias, outros em cargos de poder, outros nos próprios familiares, outros nos amigos. A vida de oração nos abre os olhos para reconhecer a Única Esperança, a base segura que tem o poder de nos sustentar, ou seja, a cruz. Somente abraçados à Cruz não cairemos. Todos esses outros pontos de apoio são como alecrim seco. Reflitamos um momento o que é um alecrim. Essa erva frágil que se torna ainda mais frágil quando seca, quebra fácil, não pode sustentar nada, não tem resistência.
O tema da oração em Teresa está intimamente ligado a um relacionamento de amizade. Conversar com um bom amigo significa abrir o coração, falar com clareza, contar os segredos, ouvir os conselhos, brigar, chorar, sorrir. A oração para Teresa é estar com quem temos a certeza que nos ama e que grande certeza é essa, se refletimos que ultimamente as relações interpessoais estão fragilizadas. Para Teresa o mais importante na oração não são as palavras, mas, a presença. Por isso, quando falamos do método da oração em Santa Teresa de Jesus, devemos partir do exercício de “colocar-se em oração”, criar um momento, um espaço, estar presente apesar das distrações e fadigas do cotidiano, até que essa oração seja tão fecunda em nosso ser que conseguiremos sentir a presença de Deus sem nenhum esforço. A oração não está ligada a um período de tempo ou a um espaço específico, deve abranger toda a vida, os minutos do dia, o respiro, as entranhas. Mas, isso é um caminho, um longo caminho. A vida de oração não acontece de um dia para o outro. Determinada determinação nos pede Santa Teresa, é necessário ter perseverança, insistência, paciência.
Servos do amor
“Falemos agora dos que começam a ser servos do amor. Na verdade não vejo outro nome a dar a quem, por este caminho da oração, se determina seguir Quem tanto nos amou”. Vida 11, 1. A oração e o amor estão intimamente ligados para Teresa, podemos até dizer que é a mesma coisa: Rezar é amar.
“Em primeiro lugar, e segundo o meu pobre entendimento, quero falar sobre a substância da perfeita oração. Tenho encontrado pessoas convencidas de que nesta matéria tudo depende do pensamento. Se o conseguem fixar muito em Deus, embora à custa de um grande esforço, logo se julgam espirituais. Mas, se contra a sua vontade, se distraem, mesmo com coisas boas, logo ficam desoladas e julgam-se perdidas… Por conseguinte, o aproveitamento da alma não consiste em pensar muito, mas, em amar muito”. (Fundações 5,2).
Relacionando a oração ao amor, podemos dizer que aqueles que são capazes de amar, são capazes de ter vida de oração. Somente aqueles que não amam serão incapazes de encontrar Deus que vive dentro de cada um de nós.
Tomemos como exemplo o Castelo Interior, uma das obras principais de Santa Teresa de Jesus que reflete a sua experiência espiritual e um longo percurso de transformação. O Castelo Interior deveria ser um “novo Livro da Vida”, Teresa tinha consciência que precisaria escrever outro livro porque desde que tinha escrito o livro da sua vida tinha vivido novas experiências e precisaria de algum modo “completá-lo”. Mas, sabemos que o Castelo Interior ultrapassou a ideia de Teresa e se tornou um livro totalmente novo, um tesouro para a Teologia Espiritual e para a Igreja.
O Castelo Interior apresenta o caminho que o ser humano faz até Deus e que Deus faz até o ser humano. Falando da própria experiência Teresa fala de Deus, pela sua vida nos ensina sobre a oração. Não podemos esquecer que um dos momentos cruciais na conversão de Teresa foi a leitura das Confissões de Santo Agostinho:
Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova,
tarde te amei.
Mas Tu estavas dentro de mim mesmo
e eu estava fora de mim próprio.
E era por fora que eu te procurava.
Com todo o meu peso,
me atirava sobre a graça das tuas criaturas.
Estavas comigo e eu não estava contigo.(Confissões, XIII, 25).
“Já sabeis que Deus está em toda parte. Ora, está claro que onde está o rei está a corte, como se costuma dizer; ou seja, onde está Deus é o Céu. E podeis crer, sem dúvida alguma, que onde estiver sua Majestade está toda a glória. Vede que Santo Agostinho afirma que O procurava por muitas partes, mas veio a encontra-Lo dentro de si. Julgais que não é de suma importância para uma alma dissipada entender esta verdade e ver que, para falar a seu eterno Pai e regalar-se com Ele, não precisa de ir ao Céu, nem falar em voz alta? Por muito baixinho que fale, Ele está tão perto de nós que nos ouvirá. Também não precisa de asas para ir procurá-Lo; basta pôr-se em solidão e contemplá-Lo dentro de si, sem estranhar tão bom Hóspede. Com muita humildade deve falar-Lhe como a um pai, contar-Lhe as suas amarguras e implorar remédio para as mesmas, entendendo que não é digna de ser sua filha” (CV 28,2).
O caminho que cada ser humano precisa percorrer em seu castelo interior até chegar ao centro da alma onde Deus o espera, compreende passar pelos cantos mais escuros ou lugares pouco visitados. Para conhecer a Deus o homem precisa conhecer a si mesmo, entrar em seu interior e segundo Teresa a porta do castelo é a oração:
“Até parece que digo algum disparate; porque, se este castelo é a alma, está claro que não é preciso entrar, pois é ele mesmo. Igual insensatez seria dizer a alguém que entrasse num aposento estando já dentro. No entanto, deveis compreender que vai muita diferença na forma de estar. Há muitas almas que ficam ao redor do castelo, que é onde estão os que guardam, e não se importam de entrar nele, nem sabem o que há naquele lugar tão precioso, nem quem lá mora, nem as dependências que tem. Com certeza já tereis ouvido como alguns livros de oração aconselham a alma a entrar dentro de si. Pois é disto mesmo que eu falo” (1 M 1,5).
“Dizia-me há pouco tempo um grande letrado que as almas que não têm oração são como um corpo com paralisia ou tolhido, o qual, embora tenha pés e mãos, não os consegue mover. Do mesmo modo, existem pessoas tão doentes e acostumadas a tratar só de coisas exteriores, que parece não haver remédio nem meio para entrar dentro de si, porque o mau costume de lidar com as alimárias (qualquer animal, besta de carga) e parasitas (que ou quem come ou vive à custa de outro ou de outros, ser vivo que vive em ou se alimenta de outro ser vivo, podendo causar-lhe dano) ao redor do castelo, pôs a alma em tal estado, que se tornou quase como elas… Tanto quanto eu posso entender, a porta para entrar no castelo é a oração e consideração” (1M 1,6).
A oração de Jesus
Não podemos falar da oração em Santa Teresa sem indicar um dado importantíssimo, Teresa jamais substitui o Mestre, ou seja, Jesus continua sendo o único e mais perfeito mestre da oração. Nas aulas sobre Santa Teresa o professor Martinez insistia muito nisso: a oração de Teresa é a oração de Jesus, o cristão precisa estar em oração porque assim fez o Mestre, na oração de Jesus nós estamos presentes. Pai Nosso, venha a nós o Vosso reino, perdoai-nos, não nos deixeis cair, livrai-nos do mal. A oração de Jesus é o modelo perfeito de como devemos orar.
No Caminho de Perfeição, mais especificamente a partir do capitulo 27, Teresa comentará a oração do Pai Nosso, afinal, foi o próprio Jesus que nos ensinou a rezar e a rezar com profundidade, na solidão, no diálogo, na sinceridade, no agradecimento e na súplica.
“Senhor, ensina-nos a rezar”. Essa é a motivação com que nos aproximamos dos ensinamentos de Santa Teresa sobre a oração, conscientes que ela não nos apresenta algo novo, mas nos recorda, nos reaproxima do Deus amigo do homem. Pensemos na narração do livro de Genesis onde Deus descia ao jardim para encontrar seus amigos, para conversar, tratava-se de uma relação perfeita de amor, até que o pecado causou o afastamento do homem que se escondeu, envergonhado, abatido pelo peso da sua culpa.
O método
Dedicaremos uma última parte para falar rapidamente do método de oração de santa Teresa, não porque é menos importante, mas, porque precisaríamos de outra formação para tratar desse aspecto da oração em Santa Teresa. Por isso, darei apenas algumas indicações sobre os graus da oração, mas, aconselho a leitura do Livro da Vida, principalmente a partir do capítulo 10 e também do Caminho de Perfeição e Castelo Interior para aqueles que desejam estudar mais sobre o tema.
Neste ponto da nossa reflexão, já tivemos a oportunidade de perceber que Teresa fala da oração como um caminho, um processo de transformação. Já falei aqui em alguma parte que uma profunda vida de oração não se alcança num piscar de olhos. Por isso, Teresa assim como outros autores do seu tempo propõe diversas fases da oração. Essas fases não devem ser entendidas apenas como etapas a serem superadas, mas, como um verdadeiro caminho. Teresa adverte sobre a possibilidade de regredir, passando rapidamente de uma fase mais avançada para aquela inicial.
Para falar dos graus da oração no Livro da Vida, Santa Teresa usa a imagem de um jardim que o principiante, ou seja, aquele que decide ter vida de oração vai cultivar em terreno ruim, devendo, portanto, fazer brotar “flores de perfume suavíssimo” para agradar ao Senhor. Sua metodologia sugere quatro maneiras de regar esse jardim para atingir o objetivo, nesse caso, fazer crescer as virtudes no terreno pedregoso da alma, tornando-o fértil para o deleito de Sua Majestade. A santa afirma que ela mesma passou por cada um desses graus e seu intuito é mostrar que amar a Deus com perfeição é um caminho que exige tempo: “Quem principia deve ter especial cuidado, como quem fosse plantar um jardim, para deleite do Senhor, em terra muito improdutiva”.
Quatro modos para regar o jardim:
- Poço. Neste início da vida de oração o jardineiro principiante deve “buscar a água num poço, com a ajuda de um balde” para regar o jardim do Senhor. Aqui o trabalho é árduo e cansativo, podendo ocorrer diversas vezes que ao puxar o balde o jardineiro perceba que o poço está seco. O desânimo pode ser uma grande arma do inimigo para fazer com que o ele desista de seu ofício.
- Nora e alcatruzes. Passamos ao segundo modo de conseguir a água para a nossa terra. O jardineiro deve tirá-la com nora e alcatruzes movidos por um torno, dando menos trabalho e produzindo mais água. Talvez muitos não saibam o que ignifica “nora e alcatruzes”. Indicam o modo com mais recipientes para puxar a água do fundo de um poço ou de um rio para a superfície. Diferentemente do modo comum, esse por conter vários baldes, traz maior quantidade de água em menor tempo. Santa Teresa relata que ela mesma utilizou essa forma algumas vezes.
- Rio. A terceira água usada para regar o jardim é vinda “de um rio ou arroio”. Como no grau anterior, este também exige trabalho do começo, pois é necessário canalizar a água do rio ou da fonte. Apesar de tanto esforço no início, o jardineiro poderá deleitar-se ao ver o jardim tão bem irrigado, a suavidade e a consolação é bem maior nesta forma de cultivo e o próprio Deus, muitas vezes se encarrega do ofício da jardinagem. A alma que atinge esse grau de oração é incapaz de explicá-lo, pois as graças são tão grandes que a compreensão humana não as alcança. A incompreensão pode ser tamanha, a ponto da alma não desejar nem seguir adiante nem retroceder.
- Chuva. Esse último e melhor modo de fazer florescer o jardim é “por chuvas frequentes e copiosas”. É Deus mesmo quem se incumbe de regar sem exigir nenhum trabalho do jardineiro. Se no grau anterior existia um sentimento de quase morte, aqui é totalmente morte. Quem chega a esse grau da oração morre para as coisas do mundo passando a viver completamente em Deus.
Já por essas indicações que serão retomadas com outros exemplos e de modo muito mais amplo no Castelo Interior, podemos reconhecer no percurso apresentado por Teresa um desenvolvimento gradativo, uma fase mais ativa e outra mais passiva. Usando o exemplo do jardim, percebemos que os dois primeiros modos de regar a terra seca exige uma atividade maior do jardineiro.
Na fase mais ativa podemos colocar a oração mental, meditação sobre a humanidade de Cristo (V 12,2; CV 26,1), sua Paixão (V12,1; 13,13), sobre quem somos nós e quem é Deus (V 4,8.; 13,15; CV 39,5; 1M 2, 8-9…). Também incluímos o recolhimento ativo, desligando-se das coisas exteriores e entrando no céu que existe dentro da alma.
Na fase passiva Deus é o protagonista, recordemos sempre do exemplo do jardim, nos últimos modos de conseguir a água o esforço do jardineiro para carregá-la já não é necessário. Trata-se do recolhimento passivo concedido por Deus aos que já estão progredindo no destacamento das coisas do mundo; da oração de quietude, a alma já não precisa de mensageiros e começa a crescer em virtudes e recebe graças sobrenaturais; o sono das potências onde todas as potências se ocupam apenas de Deus (não lutar com a imaginação – a louca da casa); e a oração de união.
Oração de união
A oração de união para Teresa é o cume da oração cristã. “A união já se sabe que são duas coisas separadas que se fundem numa só” (V 18,3). Aqui as borboletas (imaginação já não podem se agitar). Nesse contexto podemos falar da união total com Deus, do grau mais elevado da mística, esponsalício espiritual e matrimônio espiritual. O homem e Deus se tornam um só.
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