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Frei Carlos Mesters: a leitura popular da Bíblia é o resultado mais importante destes 50 anos do Mês da Bíblia

Este ano, o Mês da Bíblia completa 50 anos e comemora o seu Jubileu de Ouro. A proposta deste ano traz para reflexão a Carta de São Paulo aos Gálatas e como lema  “todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28d).

Em entrevista exclusiva, Frei Carlos Mesters, O.Carm, doutor em Teologia Bíblica e um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil,  explica que a celebração começou em Belo Horizonte e foi disseminada para o Brasil todo. 

O Mês da Bíblia surgiu em 1971, por ocasião do cinquentenário da Arquidiocese de Belo Horizonte. Em 1978, estendeu-se para o Regional Leste 2 da CNBB, Minas Gerais e Espírito Santo. E em 1985, a celebração do Mês da Bíblia foi assumida pela CNBB para todo o Brasil como um importante instrumento da Pastoral Bíblica.

Ao longo destes 50 anos, para que o povo, aos poucos, fosse se apropriando do conteúdo dos livros da bíblia, um determinado livro ou tema era indicado a cada ano. Eis a lista dos livros do Antigo e do Novo Testamento que já foram lidos e meditados durante estes 50 anos. Alguns foram indicados até duas ou mais vezes. Em alguns anos foram indicados assuntos mais gerais: por ex. Parábolas (1982), Mulheres na Bíblia (1990), e outros. Eis a lista dos livros da bíblia já estudados nestes 50 anos:

  1. Antigo Testamento:                                               2. Novo Testamento
1. Do Pentateuco:

Gênesis (1979/2007)

José do Egito: Gn 37.2 até 50,26 (1980)

Êxodo: 19-24 (1986)

Êxodo 15,22 a 18,27 (2011)

Deuteronômio (2020)

2. Dos livros históricos

Rute (1985)

Profeta Elias (1 e 2 Reis) (1987)

3. Dos livros sapienciais

Eclesiastes (2006)

Salmos (1988)

Sabedoria (2018)

Cânticos dos Cânticos (1994)

Jó (1996)

4. Dos livros proféticos

Isaías 40 a 66 (2005)

Jeremias (1992)

Amós (1978) 

Oseias (2004)

Jonas (2010)

Miqueias (2016) 

1. Evangelhos

Marcos (1995/1997/2012)

Lucas (1998/2013)

Mateus (1999/2004/2014)

João (1989/2000/2015)

2. Atos dos Apóstolos

Atos dos Apóstolos (1984)

Atos 1 a 15 (2001)

Atos 16 a 28 (2002)

3. Cartas Paulinas

Vida e Viagens de Paulo (1991)

Primeira aos Coríntios (2008)

Filipenses (2009)

1ª tessalonicenses (2017)

Gálatas (2021) 

4. Cartas Católicas

Cartas de Pedro (2003)

1ª Carta de Pedro (1993)

1ª Carta de João (2019)

Tiago (1981)

5. Apocalipse (1983)

 

Frei Carlos explique que uma conclusão se impõe: nestes 50 anos, o povo começou a adquirir a Bíblia e o resultado é a leitura popular amplamente difundida nas famílias e nas comunidades eclesiais de base. Dificilmente você encontra uma família cristã no Brasil que ainda não tenha uma Bíblia em casa. Quando se pergunta na missa: “Quem tem Bíblia em casa levante a mão”, é a igreja quase inteira que levanta a mão. A leitura popular da Bíblia é o resultado mais importante destes 50 anos do Mês da Bíblia.

Hoje está acontecendo algo semelhante ao que estava acontecendo no tempo de Jesus. Certa vez, percebendo que o povo entendia a sua mensagem, Jesus “se alegrou no Espírito Santo, e disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Lc 10,21; cf. Mt 11.26). Em que consistia o novo que o povo entendia e que os sábios e os intendidos não entendiam? Será que era uma teoria nova dos sábios e entendidos daquela época? Não era, pois, o próprio Jesus chegou a dizer que os doutores da lei tinham roubado a chave da Escritura (Lc 11,52). Hoje, a gente faz a mesma pergunta: “Quais são hoje as coisas que Deus escondeu aos sábios e entendidos e as revelou aos pequeninos?” Ou seja, o que a leitura popular tem a oferecer para todos nós?

  1. Ligação Bíblia-Vida e Vida-Bíblia: Deus-conosco: 

Nos Círculos Bíblicos, ao ler a Bíblia, o povo tem nos olhos os problemas da sua vida. A Bíblia tornou-se um espelho daquilo que as pessoas, elas mesmas, estão vivendo. Estabeleceu-se uma ligação em profundidade entre Bíblia e Vida. A resposta mais frequente que se ouve após a leitura e a reflexão sobre o texto bíblico é esta: “É que nem hoje!” 

A partir disso, os pobres fazem a grande descoberta: “Se no passado Deus esteve com aquele povo da Bíblia e escutava o seu clamor, então também hoje Deus está conosco nesta luta que nós fazemos para nos libertar, e Ele também escuta o nosso clamor!” Assim nasce uma nova experiência de Deus, um novo olhar, que se torna o critério mais determinante da leitura que o povo faz da Bíblia e que menos aparece nas suas interpretações, pois o olhar não se enxerga a si mesmo, mas é com ele que enxergamos todas as coisas: Deus-está conosco! 

Esta é também a certeza central que percorre a própria Bíblia, de ponta a ponta: Deus está conosco! Ele está no meio de nós! Este é o significado do nome YHWH com o qual o próprio Deus se apresentou a Moisés (Ex 3,7-15). O nome YHWH, Yahweh, Javé ou Senhor, aparece mais de 6000 vezes na bíblia, sem falar dos nomes que terminam em – ia ou – ias:  Isaías, Jeremias, Zacarias, Malaquias, Maria, etc. Estes nomes exprimem o desejo dos pais daquele tempo de dar aos filhos um nome que os levasse a lembrar sempre de Deus, do Deus-conosco

  1. Ambiente fraterno e celebrativo. 

Nos encontros ou círculos bíblicos, através de cânticos, orações e celebrações cria-se um ambiente fraterno de fé. Cria-se o contexto do Espírito, que ajuda o povo a descobrir o sentido que o texto tem para nós hoje. A interpretação que o povo faz da Bíblia é uma atividade envolvente que compreende não só a contribuição do exegeta, mas também e sobretudo todo o processo de participação da Comunidade: trabalho e estudo em grupo; leitura pessoal e comunitária; teatro e celebrações; orações e procissões; a própria vida em casa na família e na comunidade. 

O sentido que o povo descobre na Bíblia não é só uma mensagem que se capta com a razão e se expressa por meio de raciocínios; é também e sobretudo um sentir, uma consolação (Rm 15,4), um conforto que é vivenciado, e que “faz arder coração” (Lc 24,32). 

  1. Comunidade como sujeito da interpretação. 

Nos encontros bíblicos, o sujeito da interpretação não é o clero nem o exegeta, mas sim a própria comunidade. Aqui está a raiz daquilo que os teólogos chamam o “sensus ecclesiae”. Aqui aparecem a riqueza da criatividade do povo e a amplidão das intuições da fé que vão nascendo. Os que participam dos grupos bíblicos sentem-se como participantes ativos, responsáveis pela caminhada da sua Comunidade. Esta dimensão comunitária ou eclesial da leitura popular é um aspecto importante da leitura e interpretação da Bíblia. Mesmo quando a pessoa estuda ou lê sozinha a Bíblia, ela está sempre lendo o livro da sua comunidade. 

Frei Carlos finaliza indicando 6 ações para tornar a Bíblia mais presente na correria do dia a dia:

  1. “Faça-se em mim segundo a tua palavra!” Ao iniciar a Leitura Orante, a gente vai ler a Bíblia não para ter experiências extraordinárias, mas sim para escutar o que Deus nos tem a dizer, para conhecer a sua vontade e viver melhor o Evangelho de Jesus Cristo. Em nós deve estar a pobreza e a disposição que o velho Eli recomendou a Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta!” (1Sam 3,10). Deve estar a mesma atitude obediente de Maria: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38).
  2. Pedir o Espírito Santo: “Pedi e recebereis!” O ponto de partida da Leitura Orante deve ser a humildade. Para poder escutar a Palavra de Deus é necessário que a gente se prepare, vigiando em oração, pedindo que Deus nos mande o seu Espírito. Pois, sem a ajuda do Espírito de Deus, não é possível descobrir o sentido que a Palavra de Deus tem para nós hoje. (cf. Jo 14,26; 16,13). E o dom do Espírito não se compra em supermercado, mas só se alcança através da oração (Lc 11,13).
  3. Criar um ambiente de recolhimento e de escuta. Ler a Bíblia é como frequentar um amigo. Isto exige o máximo de atenção e de respeito, de amizade e de entrega com escuta atenta. Para isso a gente deve aprender a cultivar o silêncio dentro de nós, durante todo o tempo da Leitura Orante. E lembre-se: uma boa posição do corpo favorece o recolhimento da mente. 
  4. Receber a Bíblia como o Livro da Igreja, da Comunidade. Abrindo a Bíblia, devo estar bem consciente de que estou abrindo um livro que não é meu, mas da comunidade, da Igreja. Fazendo a Leitura Orante, estou entrando no grande rio da Tradição da Igreja, que atravessa os séculos. Mesmo fazendo sozinho a Leitura Orante da Bíblia, não estou só, mas estou unido aos irmãos e às irmãs das várias comunidades e igrejas que, antes de mim, procuravam “meditar dia e noite na lei do Senhor” (Sl 1,3). São muitos! Mesmo aqueles e aquelas que não sabiam ler o texto escrito, mas eles sabiam ler o texto da vida no rosto dos irmãos e das irmãs.
  5. Colocar-se sob o julgamento da Palavra de Deus. A Leitura Orante é o momento forte do confronto entre a vontade de Deus e as minhas próprias aspirações. Meditar a Palavra de Deus é fazer o que fazia o filho pródigo quando estava longe da casa do Pai (Lc 15,11-32): cair em si e confrontar-se com a vida na Casa do Pai, com a Palavra de Deus; resolver mudar de ideia e de vida, por mais doloroso que seja, erguer-se e decidir voltar para o Pai, para os irmãos e as irmãs.
  6. Descobrir na Bíblia o espelho do que vivemos hoje. Ao fazer a Leitura Orante, ter bem presente que o texto da Bíblia não é só uma janela por onde eu olho para saber o que aconteceu com os outros no passado; é também um espelho, um “símbolo” (Hb 11,19), onde eu mesmo olho para saber o que está acontecendo hoje comigo, conosco (1Cor 10, 6-10). A Leitura Orante diária é como a chuva que vai fecundando o terreno (Is 55,10-11). Entrando em diálogo com Deus e meditando a sua Palavra, crescemos como a árvore plantada à beira dos córregos (Sl 1,3). A gente não vê o crescimento, mas percebe o resultado no encontro renovado conosco mesmo, com Deus e com os outros.