25/05 – Santa Maria Madalena de Pazzi, Virgem Carmelita e Mística
“Pelo abandono total, se faz morrer a si mesma em Deus, não deseja conhecê-lo, nem entendê-lo, nem experimentá-lo. Nada quer, nada sabe e nada deseja poder” – essa é a via do “amor morto” pregada pela santa.
Nasceu no ano de 1566 em Florença, na Itália, e pertenceu a uma nobre família. Muito cedo se viu chamada à vida religiosa e queria consagrar-se totalmente. Abandonou tudo: os bens e os projetos. Entrou para a Ordem Carmelita e ali viveu por 25 anos. Uma aventura espiritual mística que resultou em uma grande obra com suas experiências carismáticas. Ela amou a cruz de cada dia. Sofreu com várias enfermidades até que entrou no Céu, com 41 anos. Seu lema foi: “Padecer, Senhor, e não morrer!”
“Ó Amor, que não sois conhecido nem amado, como sois ofendido!”… Estas misteriosas e sublimes palavras ecoavam pelos muros do mosteiro carmelita de São Fridiano, em Florença, naquela tarde de inverno de 1584. Irmã Maria Madalena de Pazzi, então noviça de 18 anos, as havia pronunciado com lábios trêmulos, o rosto inflamado e banhado em lágrimas.
Surpresas, as irmãs não sabiam o que pensar: conheciam a piedade da sua jovem companheira, mas nunca a tinham visto nesse estado de exaltação, prestes a desmaiar. Tomaram-na nos braços, julgando-a acometida de súbita doença, e procuraram acalmá-la; mas, durante duas horas, ela parecia nada ver, nem ouvir, dominada tão somente por esta ideia: Deus é Amor, e não é amado!
Eleita por Deus
Deus, Senhor da História, atende sempre às necessidades de cada era suscitando almas santas que – pelo exemplo pessoal, pela sua pregação e escritos, ou ainda pela abertura de uma nova via de perfeição – arrostam os erros de seu tempo, chamando as pessoas extraviadas para a conversão.
No século XVI a península italiana se caracterizava por uma visualização antropológica do universo onde o homem – com seus valores e qualidades, mas também com suas deficiências – tomava o lugar principal. Para se contrapor a esse desvio, “toda a espiritualidade italiana do século XVI está impregnada pelo tema do amor total. Caminhos diversos unem-se no anseio comum do amor teocêntrico, que parece brotar como flor de contradição do tronco do humanismo renascentista”.
Nesse contexto, nascia na cidade de Florença, berço e âmago da Renascença italiana, em um suntuoso palácio situado ao sul do histórico duomo, na esquina da Via del Proconsolo com o Borgo degli Albizi, em 2 de abril de 1566, Catarina de Pazzi, filha única de Camillo di Geri de’ Pazzi e de Maria Lourenço Buondelmonti, ambos de ilustres famílias da República.
Seus pais educaram com esmero a menina de rara beleza, e nela depositavam as esperanças de um futuro brilhante na vida social, na qual poderia sobressair-se graças a seus dotes naturais e ao parentesco do pai com a prestigiosa casa dos Médici.
Catarina, de fato, estava destinada a reluzir nos céus da História, mas não precisamente segundo as ilusões de seus progenitores.
“Sinto o perfume de Jesus!”
Desde a infância, Catarina deu mostras de ser uma alma eleita. Quando pequena, encontrava maior prazer no silêncio, na oração e nas práticas de piedade do que nas brincadeiras próprias à idade, e era para ela a recreação mais agradável ensinar o Credo, o Pai Nosso e a Ave-Maria às crianças camponesas. Dotada de grande força de vontade e de um temperamento ardoroso e veemente oriundo de seu sangue toscano, mostrava-se, no entanto, sempre obediente e afável com seus pais e superiores.
Antes mesmo de completar a idade requerida naqueles tempos para receber a Eucaristia, nutria ela excepcional devoção ao Santíssimo Sacramento. Certa vez, sua mãe, intrigada com as atitudes da filha, interrogou-a sobre a razão pela qual passava alguns dias inteiros a seu lado, sem separar-se sequer por um instante. Respondeu com candura a pequena: “É que nos dias em que comungais, sinto em vós o perfume de Jesus!”.
Considerando o fervor e a maturidade da menina, seu confessor consentiu em abrir uma exceção, concedendo-lhe fazer a Primeira Comunhão em 25 de março de 1576, quando contava apenas 10 anos. A consolação e o gozo de Catarina não conheceram limites. E, tendo uma vez degustado o Pão dos Anjos, cresceu ainda mais em sua alma a piedade eucarística, conforme a frase da Escritura: “Os que comem de mim terão ainda fome” (Eclo 24, 29). Deste modo, obteve autorização de comungar todos os domingos, para o que ela contava os dias e até mesmo as horas.2
Adeus ao mundo e obediência à vontade de Deus
Três semanas após sua Primeira Comunhão, na Quinta-Feira Santa, estando recolhida durante a ação de graças, Catarina sentiu-se movida pelo amor divino a prometer a Deus proceder de forma a agradá-Lo em tudo. Fez, então, o voto de virgindade perpétua, voltando definitivamente as costas ao risonho porvir oferecido pelo mundo, decidida a viver só para Deus e em Deus, para sempre.
Não pensavam seus progenitores do mesmo modo e, apenas completou os 16 anos, manifestaram o desejo de vê-la contrair matrimônio. Assim, para não pôr em risco a consagração feita a Deus, a jovem optou por declarar abertamente ao pai que preferia ter a cabeça cortada, a renunciar a seu voto e ao estado religioso pelo qual almejava. Estupefato diante de tanta determinação, Camilo de Pazzi cedeu, sem opor mais objeções.
Sua esposa, entretanto, não se rendeu com a mesma facilidade. Apegada à filha por uma afeição puramente natural, Maria Buondelmonti empregou todos os meios ao seu alcance para desviá-la da vocação religiosa. Julgava, talvez, ser mera fantasia de adolescente que não tardaria a esvanecer-se à vista de um futuro atraente. Mas Catarina longe de abandonar seu propósito, fê-lo crescer em seu coração, acrisolado pela espera e pela prova. Ao cabo de alguns meses, a Senhora de Pazzi teve de se declarar derrotada.
Oceano de consolações
Vencida a batalha e obtida a permissão para abraçar a vida religiosa, Catarina escolheu o convento das carmelitas de Santa Maria dos Anjos, no bairro de São Fridiano, pela simples razão de terem essas religiosas a prática da Comunhão diária. Após ter passado nele quinze dias a título experiência, foi aceita de forma definitiva em 1º de dezembro de 1582, recebendo, dois meses depois, o hábito de noviça e o nome de Maria Madalena, por sua especial devoção a essa santa.
Uma nova dimensão de vida iniciava-se para a jovem religiosa: de um lado, o Senhor ia lhe conceder o tesouro de suas consolações, para torná-la um apóstolo de seu amor entre os homens; de outro – e como consequência desse mesmo amor –, pedir-lhe-ia uma participação nos sofrimentos da sua Paixão, oferecendo-os em reparação pelos males de sua época e pela salvação dos pecadores.
Os dois primeiros anos passados em São Fridiano foram para ela de uma contínua consolação. Sentia-se arrebatada ao contemplar o amor de Deus pelos homens e compreender, também, o horror e a malícia do pecado, e a ingratidão dos que o cometem. Contudo, passado algum tempo, uma misteriosa doença a acometeu, obrigando-a, durante três meses, a guardar o leito. Nessas condições fez sua profissão religiosa, em 27 de maio de 1584.
A partir desse dia, os êxtases passaram a ser contínuos, sobretudo de manhã, após receber a Comunhão. “A vista de uma flor, de uma planta, o santo nome de Jesus ou simplesmente a palavra amor pronunciada diante dela era suficiente para arrebatá-la em Deus”.3
“Não sabia se estava viva ou morta, fora do meu corpo ou dentro”, relatou mais tarde a jovem carmelita, descrevendo esses místicos arroubos. “Mas via Deus só, glorioso em Si mesmo, amando-Se a Si mesmo, conhecendo-Se intimamente e compreendendo-Se infinitamente; amando as criaturas com um amor puro e infinito; e na união única e indivisível, um só Deus subsistente, de amor infinito, de soberana bondade, incompreensível, imperscrutável“.4
Na Quaresma de 1585, os fenômenos extraordinários chegaram a um auge de intensidade. No dia 25 de março, apareceu-lhe Santo Agostinho que gravou em seu peito as palavras “Et Verbum caro factum est”. Na segunda-feira da Semana Santa, recebeu os sagrados estigmas de Cristo, contudo não de forma visível.
Na Quinta-Feira Santa, Irmã Maria Madalena entrou num êxtase que durou vinte e seis horas. Ao longo de todo o período no qual se comemora a Paixão do Divino Redentor, ela sentiu em si, fisicamente, as mesmas dores, as mesmas angústias, os mesmos tormentos de Jesus. Surpresas e maravilhadas, as demais religiosas puderam contemplá-la percorrendo as diversas dependências do mosteiro, ora acompanhando o Divino Mestre em sua agonia, ora em seu julgamento, ora ainda na dolorosa coroação de espinhos. Por fim, viram-na entrar, com uma cruz aos ombros, na sala do Capítulo onde se estendeu no chão para ser pregada no madeiro, depois se recostou na parede e, de braços abertos, repetiu as sete últimas palavras do Crucificado. Alguns dias depois, foi-lhe dado assistir à descida de Cristo aos infernos, à sua Ressurreição e, finalmente, à sua gloriosa Ascensão.
Seguindo as pegadas do “Homem das dores”
A essas graças tão insignes haveria de seguir-se uma era de grandes provações e lutas. Antes, porém, o próprio Jesus Se dignou anunciar-lhe esse doloroso período, de maneira a dar-lhe oportunidade de pronunciar seu “Fiat” e uni-la cada vez mais ao Cristo obediente e sofredor. Ela, em sua simplicidade e confiança, limitou-se a responder: “Senhor, basta-me a vossa graça!”.5
De um momento para outro, sentiu-se mergulhada nas trevas do espírito – verdadeira “jaula de leões”, segundo sua própria expressão –, das quais se aproveitou o inimigo infernal para atentar contra o castelo de suas virtudes.
A terrível prova iniciou-se na Solenidade da Santíssima Trindade de 1585. Irmã Maria Madalena perdeu completamente o gosto pela oração e por qualquer exercício de piedade; experimentou tentações contra a pureza, contra a fé, contra a humildade e até contra a temperança no comer; o espírito maligno sugeriu-lhe pensamentos de blasfêmia e de desespero, a ponto de inspirar-lhe a ideia de abandonar o hábito religioso e fugir da comunidade.
Em outras ocasiões, demônios lhe apareciam corporalmente e lançavam-se sobre ela para espancá-la durante horas. A tantas tribulações, veio juntar-se mais uma amargura: várias de suas irmãs, não compreendendo suas atitudes, criticavam-na, acusando-a de faltas imaginárias.
Cinco longos anos se passaram em meio a tais lutas, entremeadas de curtas intermitências de consolação. Por fim, no dia de Pentecostes de 1590, entrou ela em êxtase durante o cântico das Matinas e sentiu-se libertada. O demônio não pudera triunfar sobre essa alma. Apareceram-lhe, então, de uma só vez, os catorze santos de sua especial devoção, congratulando-se com ela pela vitória alcançada.
A espiritualidade do amor total
Na trajetória desta santa carmelita, chamam poderosamente a atenção os padecimentos que acabamos de descrever, bem como seus contínuos êxtases, sua virtuosa atuação como mestra de noviças e subpriora, e os grandes milagres por ela operados em vida, como a cura de muitos doentes e a multiplicação de alimentos no mosteiro.
Durante cerca de vinte anos suas irmãs de hábito do Convento de São Fridiano recolheram cuidadosamente as palavras brotadas de seus lábios “com tal abundância, que uma só pessoa não seria suficiente para escrever tudo quanto o Espírito Santo lhe dizia”. 6 Tornou-se necessário, então, escalar seis religiosas para tal serviço, de maneira a não perder as preciosas revelações pronunciadas por ela, quando era arrebatada. Tais anotações resultaram em numerosas obras de profundo conteúdo teológico e místico.
Elevada de tal maneira aos panoramas sobrenaturais, sua alma entrevia os mistérios de Deus e dialogava com as Três Divinas Pessoas, segundo narra um de seus confessores, padre Virgilio Cepari: “Quando falava o nome do Pai eterno, dava à sua voz um timbre grave e majestoso, e a seu discurso uma dignidade incomparável. Quando pronunciava o nome do Verbo ou do Espírito Santo, mesclava não sei que doçuras à gravidade e majestade de sua palavra. Enfim, quando falava em seu próprio nome, sua voz era mais baixa e suas palavras mais delicadamente articuladas, e tornava-se patente que, no sentimento de sua própria humildade, ela queria aniquilar-se diante de Deus”.7
A espiritualidade de Santa Maria Madalena de Pazzi centrava-se no que ela chama de“amor morto”. Último degrau na escala da perfeição por ela mesma descrita, a alma que o possui “não deseja, não quer, não anseia e não procura coisa alguma. […] Pelo abandono total, se faz morrer a si mesma em Deus, não deseja conhecê- lo, nem entendê-lo, nem experimentá-lo. Nada quer, nada sabe e nada deseja poder. […] O pesar não é pesar para ela e não busca a glória, mas vive em tudo como morta”.8
Consumação do amor
Este amor traduzia-se numa sede insaciável de salvar os pecadores e conquistar almas para o Céu. Do interior de seu convento, Maria Madalena sofria terrivelmente ao receber notícias do progresso das heresias e da grande influência exercida por estas na sociedade. Seu ardor pela conversão dos inimigos da Igreja a levava a desejar permanecer na Terra por longo tempo, a fim de trabalhar e mortificar-se mais e mais nessa intenção: “Sempre sofrer, jamais morrer!”, exclamava com frequência.
Jesus, porém, e sua Mãe Santíssima não tardaram em chamar a Si esta filha predileta, para conceder-lhe, por fim, a posse plena da união de amor, da qual ela já experimentara aqui na Terra um antegozo. Os últimos cinco anos de sua vida transcorreram sem consolações místicas, segundo seu próprio pedido, em meio aos padecimentos inerentes à doença que lhe abreviou os dias: tosse, febres, hemorragias, dores de cabeça. Padeceu, também, terrivelmente em sua alma, experimentando a escuridão e aridez espiritual. Até que, no dia de Pentecostes, a luz do êxtase voltou para a provação final: a da dor física. Seu corpo ficou coberto de úlceras que provocavam dores terríveis. A tudo suportou sem uma queixa sequer, entregando-se exclusivamente ao amor à Paixão de Jesus.
Por fim, em 25 de maio de 1607, aos 41 anos entregou sua bela alma a Deus, após ter recebido o Santo Viático na véspera, e ter feito um solene pedido de perdão de suas faltas a toda a comunidade. Faleceu no convento de Santa Maria dos Anjos, que hoje leva o seu nome, em Florença.
Beatificada em 1626 pelo Papa Urbano VIII, foi inserida no catálogo dos Santos em 1669, pelo Papa Clemente IX. Cinquenta e seis anos depois de sua morte, em 1663, quando se lhe abriu o túmulo, foi-lhe encontrado o corpo sem o menor sinal de decomposição, percebendo-se ainda o celeste perfume. O corpo incorrupto de santa Maria Madalena de Pazzi repousa na igreja do convento onde faleceu. Sua festa é celebrada no dia de seu trânsito.
Sua luminosa trajetória e sua mensagem para a posteridade podem ser resumidas nestas palavras, exaladas de seu amoroso coração: “Sem Ti não posso viver nem estar alegre. […] Se me desses toda a felicidade que se pode ter na Terra, com todos os seus prazeres; se me desses toda a fortaleza de todos os fortes, a sabedoria de todos os sábios e as graças e virtudes de todas as criaturas, sem Ti eu, o estimaria como um inferno. E se me desses o próprio inferno com todas as suas penas e tormentos, mas contigo, eu o consideraria um paraíso”.
Oração: Senhor, que amais a virgindade e cumulastes de dons sobrenaturais Santa Maria Madalena de Pazzi, abrasada no vosso amor, concedei-nos que, celebrando hoje a sua festa, imitemos sempre o seu exemplo de pureza e caridade. P.N.J.C
Fonte: Província Carmelitana de Pernambuco
Notas:
1 YUBERO, Alberto. Introducción. In: SANTA MARIA MAGDALENA DE PAZZI. Éxtasis, amor y renovación. Revelaciones e Inteligencias. Renovación de la Iglesia. Madrid: BAC, 1999, p.XX.
2 VETTARD, Th. Sainte Marie-Madeleine Pazzi. In: Un Saint pour chaque jour du mois. Paris: Maison de la Bonne Presse, 1932, t.V, p.226.
3 CEPARI, Virgile. Vie de la Sainte, apud BRANCACCIO, Laurent- Marie. Introduccion. In: SANTA MARIA MAGDALENA DE PAZZI. Oeuvres. Paris: Victor Palmé, 1837, t.I, p.XIII.
4 SANTA MARIA MAGDALENA DE PAZZI, Vita, c.II, n.22, apud ROHRBACHER. Vidas dos Santos. São Paulo: Américas, 1960, v.IX, p.245.
5 VETTARD, op. cit., p.230.
6 CEPARI, op. cit., p.XIV.
7 Idem, ibidem.
8 SANTA MARIA MAGDALENA DE PAZZI, Revelaciones e Inteligencias. In: Éxtasis, amor y renovación, op. cit., p.158-159.
9 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Los grandes maestros de la vida espiritual. Madrid: BAC, 2002, p.319.
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