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Santo Elias: “Vivo é o Senhor, em cuja presença estou” (1Rs 17,1)

Celebramos em 20 de julho Santo Elias, ícone do caminho que queremos seguir. A história do profeta Elias está descrita em seis capítulos dos livros dos Reis.

Cada capítulo traz um assunto determinado. Vejamos: 1Rs 17 descreve sua ida para o outro lado do Jordão para junto da viúva, da qual recebeu a confirmação da sua missão como “o Homem de Deus em cuja boca habita a palavra de Deus” (1Rs 17,24). 1Rs 18 narra a sua atuação no Monte Carmelo enfrentando o rei Acab, a rainha Jezabel e os falsos profetas de Baal (cf. 1Rs 18,30-40). 1Rs 19 menciona a sua fraqueza, sua crise de fé e a maneira de superá-la. Na Brisa leve, ele se reencontra consigo mesmo, com Deus e com a missão (Cf. 1Rs 19,12-13) 1Rs 21 descreve como Elias assumiu a defesa de Nabot, um agricultor, e como criticou a manipulação da religião pela rainha Jezabel (cf. 1Rs 21,17-24). 2Rs 1 mostra como Elias, sentado no alto do monte, enfrenta os que não reconhecem a Javé como o Deus da vida (cf. 2Rs 1,9-16). 2Rs descreve como Elias foi arrebatado pelo Espírito e como deixou a dupla porção do seu espírito para Eliseu, seu sucessor (Cf. 2Rs 2,7-15). Nessas seis histórias, o povo olhava como num espelho para descobrir sua própria missão profética como povo de Deus.

Elias, o homem do caminho

O símbolo que unifica as histórias do profeta Elias na Bíblia é a imagem do homem que caminha. Caminhar sempre! Esta imagem do caminho é retomada na tradição da nossa Ordem. O livro dos primeiros monges descreve o itinerário místico, realizado pelo profeta, e apresenta a experiência de Elias como modelo do caminho que o carmelita deve percorrer para chegar à união com Deus. Desde que Elias se abriu à ação da Palavra de Deus, sua vida mudou por completo. Agora, é só movimento. Já não pode parar. Deve andar sempre. Sair de um lugar para outro: para a torrente de Carit (1Rs 17,3), para Sarepta na Sidônia (1Rs 17,9), para encontrar o rei Acab no carmelo (1Rs 18,1), para o Monte Horeb (1Rs 19,8), para ungir Eliseu (1Rs 19,15-16), para denunciar o rei na vinha de Nabot (1Rs 21,17-19), para Betel (2Rs 2,2), para Jericó (2Rs 2,4), para o Jordão (2R 2,6), para ser arrebatado (2Rs 2,11) e… para voltar no fim dos tempos (Eclo 48,10). Um peregrinar constante em busca de deus, desde Carit até o arrebatamento ao céu (2Rs 2,11). Ele já não se pertence. Pertence a Deus e ao povo de Deus.

Elias, o homem da palavra

“Agora sei que você é um homem de Deus e que a Palavra de Deus habita em você!” (1Rs 17,17). “Sua palavra ardia como uma tocha!” (Eclo 48,1). De um lado, a Palavra chama Elias, tanto nos momentos de coragem, como nos de desânimo. De outro lado, o próprio Elias se abre, para que a Palavra tome conta dele e o leve por caminhos dos quais ele mesmo nem sempre percebe todo o alcance. Ele obedece à Palavra e, assim, revela Deus ao povo e é reconhecido pelo povo como “homem de Deus” (1Rs 17,24; 2 Rs 1,9). Sua palavra tornou-se Palavra de Deus para os outros que, por sua vez, obedeciam a Elias: a viúva de Sarepta (1Rs 17,15); Abdias, o chefe do palácio (1Rs 18,14-16), o próprio povo (1Rs 18,24.30), o profeta Eliseu (1r 19,19-21).

Elias, o homem da oração

“Vivo é o senhor em cuja presença estou” (1Rs 17,1; 18,15). “Elias era um homem fraco como nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu. E orou, de novo, e o céu deu chuva, e a terra fez germinar seus frutos” (Tg 5,17-18). A tradição carmelitana tem aqui, nestas duas frases da Bíblia sobre Elias, um dos pontos fundamentais da sua espiritualidade. Elias estava ligado a Javé pela oração. Ele reza e consegue de volta a vida do filho da viúva (1rs 17,20). Critica a oração dos profetas de Baal (1rs 18,27) e pede para que Deus se manifeste ao povo no monte Horeb (1Rs 18,36-37). Ao rezar, ele se curva, coloca a cabeça entre os joelhos. Ele insiste e não desiste. Por sete vezes, manda o empregado subir a montanha, até aparecer a nuvenzinha que trouxe a chuva (1rs 18,41-46). Reza na fraqueza, queixando-se a Deus (1rs 19,10.14), pedindo a morte (1Rs 19,4). Confronta-se com Deus na brisa leve (1rs 19,12). A oração era o espaço que lhe dava condições de descobrir a presença de Deus na brisa leve, de defender a aliança e a vida do povo, de viver em conflito permanente, sem desmoronar.

Elias, o homem da reconstrução da vida comunitária

Elias reconstruiu o altar com doze pedras, símbolo da reconstrução das doze tribos (1Rs 18,30-32). A organização em tribos representava a nova maneira fraterna de conviver, diferente do jeito de viver no sistema do faraó. É aqui também que se situa o centro da esperança do povo pelo retorno do profeta Elias. Tanto o Antigo Testamento como o Novo Testamento, ambos eles esperam que Elias volte para “reconduzir o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais” (Ml 3,23-24; Eclo 48,10; Lc 1,17). A preocupação com a reconstrução da vida comunitária é o outro lado do desejo de contemplar e revelar o rosto de Deus como Javé. O que caracteriza a experiência de Deus na história do povo hebreu é a igualdade dos dois mandamentos: amar a Deus e amar ao próximo (Lc 10,27; Mt 7,12). Deus se revela como pai, o Deus de todos. A expressão humana desta fé em Deus como pai é a organização da vida em comunidade. Uma comunidade dividida é a negação desta fé. Ela esconde o rosto de Deus.

Elias, o homem do fogo do espírito

“O profeta Elias surgiu como um fogo, sua palavra queimava como uma tocha” (Eclo 48,1). “por três vezes fez descer o fogo do céu” (Eclo 48,3). No fim da sua vida ele foi “arrebatado num turbilhão de fogo, num carro puxado por cavalos de fogo” (Eclo 48,9). O fogo é expressão da ação do espírito (cf. At 2,3-4). Elias passou a ser conhecido como o homem disponível para Deus que já não se pertencia. Deus podia dispor dele e arrebatá-lo como e quando quisesse (1Rs 18,12; 2Rs 2,3.5). O próprio Deus passou a ser conhecido como o “Deus de Elias” (2Rs 2,14). Eliseu pediu: “que me seja dada uma dupla porção do teu espírito” (2Rs 2,9). O espírito de Elias repousou sobre Eliseu, seu sucessor (2Rs 2,15). Os discípulos o reconheceram quando Eliseu, usando a capa de Elias, separou as águas do Rio Jordão (2Rs 2,14). Elias, o homem do fogo do espírito! A Regra do Carmo une Palavra e Espírito quando diz: “que a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, habite abundantemente em sua boca e em seu coração, e tudo que vocês tiverem de fazer, seja feito na Palavra do senhor” (RC 19). Ela deseja para nós a “bênção do Espírito Santo” (RC 1). Que o povo possa dizer de nós: “o espírito de Elias repousa sobre eles” (cf. 2Rs 2,15).

Elias é o mais ecumênico de todos os santos. Até hoje é venerado por judeus, cristãos e muçulmanos. O Eclesiástico vê em Elias o homem obediente à palavra (Eclo 48,1-11). Malaquias espera o retorno dele como o homem da aliança (Ml 2,23-24). No Evangelho de Lucas ele aparece como o homem que reorganiza o povo (Lc 1,17). Na transfiguração, ao lado de Moisés, ele encarna a profecia (Lc 9,30). Para Paulo ele é o homem que denuncia a infidelidade (Rom 11,2-4). Tiago resume a vida de Elias como homem da oração (Tg 5,17-18). No Apocalipse ele é o homem do testemunho até à morte (Ap 11,3.5.6). Na tradição rabínica ele é a imagem do homem do deserto. A devoção popular invoca Elias como o santo dos impossíveis. A tradição carmelitana acentua nele o homem do caminho. O profeta Elias é um ícone eloquente do caminho que nós carmelitas queremos percorrer.

Frei Carlos Mesters, O.Carm.

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