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São João da Cruz: experiências místicas

João da Cruz nascido Juan Yepes Alvarez, em 24 de dezembro de 1552, ingressou na Ordem Carmelita aos 21 anos, certamente impulsionado pelos ideais de solidão e contemplação absoluta dos primeiros eremitas fundadores da ordem. Logo, São João se desiludiu com o relaxamento da vida monástica em que viviam os Conventos Carmelitas, onde os ideais contemplativos que tanto o haviam atraído se haviam convertido em dócil sociabilidade que não satisfazia sua vocação de místico.  A intenção primeira do Frei carmelita não era fazer um lançamento itinerário, mas expressar suas experiências místicas e orientar outros irmãos de ondem religiosa.

Em a obra Subida ao Monte Carmelo e Noite Espiritual, desenvolve temas latentes em sua obra. Fiel a seus princípios, João da Cruz procurava fazer contemplativos antes que sábios, ou melhor dizer-se da teologia para alimentar a contemplação.

Vértice da mística católica é considerado João da Cruz, colaborador e conselheiro de Teresa de Ávila na reforma do Carmelo. Com efeito, João da Cruz deu, juntamente com Teresa, uma marca permanente à espiritualidade ocidental, inclusive no tempo da Contrarreforma. Conta-se que em 1577, São João foi sequestrado por  conta do seu  descontentamento e pelo fato da Reforma da Ordem Carmelita que São João e Teresa D´Avila estavam empreendendo. Em seus dias de solidão, ali com a alma mergulhada na noite escura da desesperança, ele permaneceu por nove meses, pobremente alimentado, flagelado e injuriado com frequência, em um estreito e desconfortável buraco onde podia sentir no corpo o terrível inverno de Toledo. O Frei João da Cruz iniciou sua produção místico-poética com o parco papel e tinta que um carcereiro misericordioso lhe deu.

A caraterística mais importante da obra de João da Cruz é a riqueza psicológica com a qual são escritas as “noites”, ou seja, os aniquilamentos da inteligência, da vontade e da memória (as três potências da antropologia tradicional), como também os dos sentidos e do espírito.  Segundo o Frei João da Cruz, Deus é noite, que somente se dá a conhecer para quem corajosamente se aventura nesta busca. Quanto a essa busca é necessário entender que João da Cruz faz distinção entre a noite dos sentidos são as janelas, por onde temos a visão sobre o mundo, pessoas coisas e situações e a noite do espírito, nela a pessoal deixa de ser uma pessoa superficial para ser uma pessoa profunda.

Ele compreende o homem como um ser composto por duas partes: a exterior que chama de sentidos, o homem que se vê no mundo como que preso pelos prazeres e desejos, oferecendo o que lhe satisfaz no estimulo de agir de suas ações.  Tudo aquilo que dá prazer sensitivo e a parte interior que a identifica como a dimensão espiritual, onde reside à vontade, o amor e a inteligência, trata-se de um saber mais intuitivo e profundo. Na noite do espírito, por sua vez, a pessoa se diviniza, aprendendo a amar a Deus com o próprio amor de Deus. Sendo assim, estas noites purificam o ser humano em sua dimensão sensitiva e espiritual.

Mais do que mera curiosidade biográfica, o episódio da prisão em Toledo interessa pela influência decisiva que terá na simbologia da Noite Escura, central na poética e na mística de São João. Em clara contraposição à metáfora da luz, tantas vezes relacionada ao insight cognitivo que “emancipa” o humano das trevas da ignorância, a imagem da noite escura fala de negação das possibilidades de conhecimento que é assumida, na apofática, como método para uma experiência que não é nem sensível nem inteligível, não sendo, assim, catalogável pelo nosso sistema de cognição.

João da Cruz retoma conceitos e imagens, a começar por aquela famosa da madeira, que se transforma em fogo primeiro com grande resistência, fadiga e sofrimento, mas depois com rapidez e alegria como acontece com alma que se transforma em Deus. O nada de João da Cruz é senão a retomada do nada do qual homem pobre vai ao encontro de si e de Deus. São João da Cruz, parece-nos que ele se desnuda de todo conhecimento teórico, doutrinário e teológico de seu tempo. Vemos assim, que ele ultrapassa os postulados institucionais que recebeu em sua formação religiosa. Nós o vemos penetrar em algo impenetrável, tomado por uma luminosidade típica da noite dos amantes. É perceptível como ele faz uso da forma humana de amor para se dirigir ao amor Divino. Deixando-se deliciar por aquele que é o radicalmente e totalmente o outro.

O seu “nada saber, nada ter, nada querer” corresponde perfeitamente ao nada das noites purificatórias do santo espanhol, e nisso o homem nobre não se satisfaz com o nada, indo muito além de todo tipo de consolação, mesmo espiritual. João da Cruz leva ao absoluto vazio, àquele nada que é o tudo, e suas expressões também possuem uma ousadia, quando fala, por exemplo, do próprio intelecto que se torna o intelecto de Deus.

São João da Cruz transformou o símbolo impressionante, mas ainda estético e pobre da “Treva”, no símbolo rico e dinâmico da “Noite”. Dinâmico, por que a noite caminha sem sessar desde o crepúsculo até a alvorada, através de fases distintas, com as intensidades diversas de escuridão e luz. Rico, por que a noite não evoca apenas ausência, tristeza, morte, mas ainda presença genuína de amor. A noite é paz, quietação, silencio e serenidade, “la noche sossegada”.

Em São João da Cruz a noite por vezes é “tempestuosa e horrenda” esta noite que arrostamos insones pelo pavor do desamparo: medos de das noites veladas. O ritmo binário de amortecimento e ardor, ausência e presença, privação e posse, temor e jubilo, descreve a maravilha ascendente da alma até o divino através do momentos de voluntária cegueira e sobrenatural iluminação. Na iluminação contemplativa tem lugar a forma mais elevada do conhecimento.

O contemplar a noite, oferece viva imagem da imensidão do Infinito, amante do Absoluto, João da Cruz nela descobria a símbolo do abismo da fé, abismo, sim, pois existe os sacrifícios das luzes naturais, da maneira humana de ver e julgar para nos mergulhados  de em Deus, abismo ainda por que Deus é um oceano de ser, quando mais nele mergulhamos, maiores riquezas descobrimos, embora não as vejamos. Por três sinais o Doutor místico, nos diz que se denomina noite essa passagem da alma para a união com Deus. A primeira refere-se ao ponto de partida, porque o apetite há de carecer de todas as coisas do mundo que possuía, negando-as, negação e carência que são como noite para todos os sentidos do homem. A segunda, quanto ao meio ou caminho para atingir a união com, o qual é a fé que para o entendimento é também obscura como a noite. Enfim a terceira razão tira-se do termo para onde caminha a alma: o Absoluto, que nem mais nem menos é noite obscura para a alma nesta vida.

Sem menosprezar a sua a essência cristocêntrica da sua experiência, que concentra o nada sobre a cruz utilizando a figura do crucifixo, como instrumento de aniquilamento. Podemos dizer que o místico espanhol se move no âmbito de uma filosofia e de uma cultura que ele, de certa forma, suporta com dificuldade, ou seja, a da Escolástica do seu tempo, que tinha a tendência de sistematizar e controlar tudo, até mesmo a vida do espírito. João da Cruz faz parte dessa mentalidade, que o leva continuamente à tentativa de descrever de modo completo uma realidade que muito dificilmente se deixa dominar. Não é por acaso que ele prefere exprimir-se na poesia, e o faz bem melhor do que nas tentativas sistemáticas, cantando maravilhosamente no amor o princípio e o fim de tudo.

São João da Cruz é místico, filósofo, teólogo e escritor – poeta – e doutor da Igreja. Ele define o amor como trabalhar em despojar-se e desnudar-se por Deus de tudo que não é Deus (2º livro da Subida, 5,7), colocando em relevo a necessidade de purificação do amor, partindo da realidade desordenada em que o amor se encontra e revelando aquilo que toca o homem no seu ordenamento.

 

José Marques de Oliveira

Pré-Noviço da Ordem do Carmo