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Homilia de Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida por ocasião das Ordenações Presbiteral e Diaconal

 

Estimado e venerado Frei Evaldo, Prior Provincial desta Província da Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo,

Venerados irmãos no sagrado ministério,
Prezados irmãos Frades
Caríssimos Irmãos e irmãs em nosso Senhor Jesus Cristo
Queridos ordenandos:

I. “Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres do seio de tua mãe eu te consagrei” (Jer. 1, 4).

Quão insondáveis os desígnios do Deus de Misericórdia na vocação daqueles que Deus engendra e conhece, consagra e separa para Si. Sim, irmãos, toda a vocação, mas de um modo todo peculiar a vocação ao sagrado ministério, manifesta o segredo do coração misericordioso de Deus. A bondade de  Deus se comove ao ouvir as súplicas ardentes do seu povo, que clama, que suplica por servidores segundo o coração de Cristo. Deus Se comove com o Seu povo de eleição, povo que tem fome e sede de pão e de vida, de perdão e de paz, de reconciliação e de amor. Quando as súplicas dos inermes chegam aos céus, Deus chama e separa para Si, consagra e envia os servidores da sua misericórdia para cuidar das feridas dos mais pobres e dar-lhes de comer e de beber no tempo oportuno.

Hoje também o Senhor continua a enviar sobre a terra fome e sede, não só de pão, não só de água, mas de ouvir a Sua Santa Palavra. Vagueiam de um canto a outro procurando quem os apascente com a Palavra que é luz para o caminho e com o Pão dá a vida. Hoje também Deus continua a engendrar novos filhos, a escolher para o serviço. Ele conhece a nossa pobreza e nos consagra para manifestar a Sua glória tornando-nos aptos para o serviço do Seu Reino mediante a efusão do Espírito Santo.

Hoje a Santa Igreja rejubila; hoje o Carmelo exulta de alegria. Dois de seus filhos, Frei João Paulo e Frei Paulo Ricardo, já escolhidos e separados por Deus mediante a profissão solene nesta venerável Ordem de Nossa Senhora do Carmo, são ulteriormente consagrados para o serviço da mesa dos pobres, para o serviço da mesa da Palavra, para o serviço da comunhão e do altar. Hoje a Santa Igreja rejubila e Carmelo exulta de alegria porque outro filho seu, Frei Renê Augusto, mediante a imposição de minhas mãos, recebe uma nova efusão do Espírito Santo que o torna participante do único Sacerdócio de Cristo na ordem do Presbiterado.

Como são insondáveis as misericórdias do Senhor. Antes mesmo de nos formar nas entranhas maternas, o Senhor nos conheceu, nos santificou e nos preparou para sermos profetas entre as nações. Jesus vai dizer ainda mais: Já não vos chamo servos, mas amigos. Sim, o Senhor nos chamou amigos. A amizade do Senhor nos coloca no coração da espiritualidade do Carmelo, da união com Deus, da intimidade divina. Não é difícil notar como as sagradas ordens que hoje são conferidas a estes três irmãos se revestem muito bem do escapulário do Carmo. O que seria do ministério sagrado sem a intimidade com o Senhor, sem a amizade do Senhor, sem a nossa entrega? Ao acolher com misericórdia o arrependimento de Pedro, o Senhor lhe pergunta: “Pedro, és meu amigo?” À humilde resposta de Pedro arrependido o Senhor acresce: “Apascenta as minhas ovelhas”. É precisamente da intimidade divina, que vem a máxima autoridade do diácono e do sacerdote para partilhar com o povo santo de Deus os tesouros da Palavra, as riquezas inefáveis do Mistério Pascal e a fúlgida beleza dos laços da comunhão.

Sem a intimidade divina o ministério da palavra se tornaria mera doutrinação, os sacramentos se assemelhariam a simples ritos mágicos e o serviço da comunhão degeneraria em sede de poder sobre a comunidade de irmãos. Sem a amizade sincera e profunda com Cristo, o ministro facilmente deixaria de servir o povo para servir-se do povo.

Nessa intimidade encontramos o sentido de nossa entrega, já pela solene profissão sob a regra do Carmelo, mas também pela imposição das mãos para o ministério e para o sacerdócio.

O Espírito do Senhor, pela pena do Apóstolo das gentes, nos convida a participar da sua autoridade: “Fazei-vos servos uns dos outros pela caridade” (Gal. 5, 13). Frei João Paulo, inspirado nessa palavra há de conduzir sua vida pelo serviço da caridade, que nos faz servos uns dos outros, para sermos amigos de Cristo.

Frei Paulo Ricardo ouve em seu coração que sua vocação é a de ser para sempre “Servo de Jesus Cristo” (Rom. 1,1). Mas que paradoxo! A servidão ao Senhor é precedida e impregnada pela alegria Sua amizade. De fato, é o mesmo Senhor quem se ajoelha diante de nossa pobre humanidade para nos lavar os pés, como o fez com os Apóstolos na Quinta-feira Santa.  E Ele, fazendo-se nosso Servo, nos eleva à condição de amigos.

Com temor e com tremor Frei Renê Augusto se aproxima conosco do Santos dos santos, unindo-se pela vida e pela imposição das mãos ao Sumo e eterno sacerdote. Hoje ele é ungido pela força do Espírito Santo para oferecer o sacrifício de louvor por nós homens e pela nossa salvação. A beleza do único sacerdócio de Cristo incute nele e em nós o santo temor. Já não diz como Pedro cheio de temor:  “Afasta-te de mim que sou pecador”. Frei Renê, com temor e sabedoria, confia no Senhor e lhe pede: “Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio” (Sl 15, 1). E o Senhor nos guarda com amor eterno.

II. “Como o Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei em mim”.

Queridos irmãos e irmãs, hoje o Senhor toma uma vez mais para Si os freis João Paulo e Paulo Ricardo. Hoje o Senhor os dá aos Bispos, Sucessores dos Apóstolos, e aos seus cooperadores, os padres, como preciosa dádiva dentre os filhos do novo Israel. Hoje, ao ser ordenados diáconos, eles morrem uma vez mais para uma vida velha, tornam-se grão de trigo caído na terra. Morrem para os muitos projetos que poderiam legitimamente cultivar na sociedade humana, entregam-se de corpo e alma à caridade de Cristo que os impele a servir os pobres, a anunciar o Evangelho, a prestar um culto agradável a Deus, tanto no altar como nos demais serviços que a Igreja lhes confiar. Prosseguem no caminho do Senhor servindo a Igreja como a Igreja quer ser servida. Anunciarão a Palavra, servirão à Mesa Eucarística com os presbíteros e o bispo. Enriquecidos pela multiforme graça de Deus, servirão a todos os irmãos, com o mesmo amor e ardor apostólico, sem fazer acepção de pessoas ou de carismas.

Diletos filhos João Paulo e Paulo Ricardo — permiti-me assim chamar-vos — são tantos os dons do Senhor com que Igreja hoje vos enriquece. Mas o que vos pede, a vós, eleitos e consagrados ao serviço do Senhor?  A Igreja, nossa Mãe, hoje vos pede um amor com coração indiviso, expresso na renovada entrega à fecundidade do Celibato. Pede-vos a obediência à semelhança de Jesus, Servo de Iahweh, que se fez obediente até à morte, e morte de cruz. E vós, como Jesus, tendo por único alimento cumprir a vontade do Pai, oferecei-vos como oblação viva, unindo-vos ao Seu Coração para amardes com coração puro e corpo casto a Santa Igreja.

Resplandeçam em vós as virtudes evangélicas, brilhe em vós o rosto de Cristo servidor, “o amor sincero, a solicitude para com os enfermos e os pobres, a autoridade discreta, a simplicidade de coração e uma vida segundo o Espírito” (da Prex ordinationis). Sede homens eucarísticos, adoradores em espírito e verdade. Tratai com reverência as coisas santas. Não vos esqueçais de que a Igreja hoje reza por vós suplicando que, “imitando na terra o Filho, que não veio para ser servido, mas para servir, possais reinar com ele no céu”. O caminho da fidelidade exige de vós entrega total a Cristo e filial confiança na Santíssima Virgem, por cuja fidelidade o Verbo se fez carne e habitou entre nós.

III.  “Já não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15, 15)

Quanto a ti, caro Frei Renê, escolheste refugiar-te sempre no Senhor. Ouve com confiança as palavras que Ele te dirige agora: “Non iam servos, sed amicos” – “Já não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15, 15). Estas palavras tocam as fibras mais íntimas da nossa alma: são dirigidas a mim e a ti pessoalmente. Não são palavras meramente rituais, uma mera citação da Sagrada Escritura escolhida para dar beleza ao momento solene em que o Senhor te faz sacerdote. Bento XVI nos ensina a olhar em profundidade para o significado atual da amizade do Senhor. O Senhor, hoje, te acolhe no círculo daqueles que receberam a sua palavra no Cenáculo; no círculo daqueles que Ele conhece de um modo todo especial e que por isso chegam a conhecê-Lo de modo particular. Hoje o Senhor te concede aquela faculdade que quase amedronta, de fazer aquilo que só Ele, o Filho de Deus, pode legitimamente dizer e fazer: Eu te perdoo os teus pecados. Ele quer que tu – por Seu mandato – possas pronunciar com o seu “Eu” uma palavra que não é meramente palavra mas ação que produz uma mudança no mais íntimo do ser. Tu sabes bem que, por detrás de tais palavras, está a sua Paixão por nossa causa e em nosso favor. Sabes bem que o perdão que ainda hoje poderás conceder tem o seu preço. Fomos resgatados a caro preço: o seu sangue, a sua Paixão. Por ela, nosso Senhor desceu até ao fundo tenebroso e sórdido do nosso pecado. Ele por nós se fez pecado, desceu até à noite escura da nossa culpa. E somente por isso essa noite pode ser transformada em luz meridiana. Através do mandato de perdoar, Ele te permite lançar um olhar ao abismo do homem e à grandeza do seu padecer por nós, grandeza esta que nos consente intuir a imensidão do Seu amor. Por isso não te canses de ser generoso no perdão oferecido, não te canses de dedicar tempo ao ministério da misericórdia.

O Senhor, aqui e agora, te confidencia o Seu desígnio de amor: “Já não és servo, mas amigo”. Neste Cenáculo Carmelitano, Ele te confia as palavras da Consagração na Eucaristia, o mandato de oferecer por Ele, com Ele e nEle o mesmo sacrifício do Calvário. Efetivamente, hoje a Igreja te configura a Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, ou seja, te consagra pelas minhas mãos como verdadeiro sacerdote do Novo Testamento. Com este título, que no sacerdócio te faz cooperador da ordem episcopal, serás pregador intrépido do Evangelho, Pastor do Povo de Deus; presidirás aos atos de culto, de maneira especial na celebração do sacrifício do Senhor.

Não te esqueças de que, exercendo o ministério da sagrada Doutrina tomas parte na missão de Cristo, único Mestre que te diz: “Eis que ponho as minhas palavras na tua boca”. Foge das ideologias e do erro: dispensa a todos a Palavra de Deus, que tu mesmo recebeste com alegria. Lê e medita assiduamente a Palavra do Senhor, para acreditares naquilo que já leste, ensinares o que aprendeste na fé e viveres o que ensinaste. E este seja o alimento do Povo de Deus; que as tuas homilias cheguem ao coração das pessoas, porque saem do teu coração. Deste modo a tua pregação será alegria e ajuda para os fiéis de Cristo; o perfume da tua vida será o testemunho! Santo Antônio, santo doutor e exímio pregador da Ordem dos Frades Menores já dizia: “Cessem, eu vos suplico, as palavras; falem as obras”!

Darás continuidade à obra santificadora de Cristo. Mediante o teu ministério, o sacrifício espiritual dos fiéis se aperfeiçoa, porque fica vinculado ao sacrifício de Cristo, que através das tuas mãos, em nome da Igreja inteira, é oferecido de modo incruento no altar, durante a celebração dos Santos Mistérios. Quando celebrares a Missa – diz o Papa Francisco – reconhece aquilo que fazes. Não o faças de modo apressado! Imita o que celebras – não se trata de um rito artificial – pois assim, participando no mistério da morte e ressurreição do Senhor, trazes a morte de Cristo nos teus membros e caminhas juntamente com Ele numa vida nova. “O cálice por nós abençoado é a nossa comunhão com o sangue de Cristo”.

Mediante o Batismo agregarás novos fiéis ao povo de Deus. Não negues o Batismo a quem te pedir! Através do óleo santo, darás alívio aos enfermos. Celebrando os ritos sagrados e elevando nas várias horas do dia a oração de louvor e de súplica, serás a voz do Povo de Deus e da humanidade inteira.

Consciente de teres sido escolhido entre os homens e constituído a seu favor para atender as coisas de Deus, cumpre com alegria e caridade sincera a obra sacerdotal de Cristo, com a única intenção de agradar a Deus, e não a ti mesmo.

Procura ter sempre diante dos olhos o exemplo do bom Pastor, que não veio para ser servido, mas para servir; não para permanecer nas suas comodidades, mas para sair, procurar e salvar o que estava perdido.

IV. “Se guardardes meus mandamentos permanecereis no meu amor”.

Amados filhos: não vos esqueçais que o sagrado ministério que recebeis reforça a vossa comunhão com a Igreja e os vossos vínculos de consagração no Carmelo. É um vínculo fundado na nossa amizade com o Senhor, na intimidade divina.

Mas em que consiste a amizade com o Senhor? Talvez um autor pagão nos ajude a vislumbrar o significado dessa amizade. É de Salustio a feliz expressão latina: “Idem velle atque idem nolle, ea demum firma amicitia est”. “Querer as mesmas coisas, rejeitar as mesmas coisas, eis o que constitui uma amizade sólida”.

Neste dia solene da vossa ordenação, é preciso fazer próprio o propósito de ser amigos de Cristo. De abraçar tudo o que Ele abraça, de querer somente o que ele quer; de rejeitar tudo o que Ele rejeita. Tende em vós os mesmo sentimentos que há em Cristo.

Irmãos sacerdotes, renovemos com estes sagrados ritos o frescor do dom inestimável recebido pela imposição das mãos. Renovemos a docilidade aos desígnios do Senhor. Que a herança de Santo Elias e da Regina decor Carmeli nos ajude a viver a vida escondida com Cristo em Deus, e a sermos servos de todos como o é o Senhor.

Mãe e Senhora nossa, Rainha do Carmelo, Senhora do céu e da terra, volvei hoje o vosso olhar sobre estes vossos filhos. Venha sobre eles a graça de estar junto convosco como discípulos amados, ao pé da Cruz.

Mãe amorosa da Igreja, acompanhai com vossa onipotente intercessão, o seu ministério, a sua vida, a sua vocação.

Olhai, Senhora e Rainha do Carmelo, pela porção da Igreja do Vosso Filho aqui reunida. Por vossa intercessão, venha sobre nós a graça de empreendermos decididos os caminhos da santidade e da missão apostólica.

Por vossa materna intercessão, Mãe e Senhora nossa, o vosso divino Filho multiplique as vocações para o sagrado ministério, para a Ordem do Monte Carmelo, pois a messe é grande e poucos os operários.

Nossa Senhora do Carmo, intercedei por nós, cuidai de nós todos aqui presentes, para que em tudo a nossa vida seja um perfeito louvor ao Deus Uno e Trino.

A Ele o louvor, a honra e a glória, hoje e pelos séculos eternos. Assim seja. Amém.

Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
Bispo Auxiliar de Brasília